//OPINIÃO// Não é mimimi, é o choro da resiliência

  

Salete Silva


A última semana foi uma das mais difíceis desde o início da pandemia e serviu de prenúncio para os próximos dias, que ainda devem ser de muitas mortes e de sacrifício do povo brasileiro. O Ministério da Saúde fala em 3 mil mortes por dia nas próximas semanas.

O número de óbitos já ultrapassou a casa dos 260 mil, batendo quase 2 mil mortes diárias. O anúncio das medidas mais restritivas de afastamento social ameaça a sobrevivência da maioria dos brasileiros que ainda estão com as contas no vermelho, depois de um ano em que a atividade econômica caiu 4,05% e a inflação subiu em média 4,52%, mas muito acima disso para os mais pobres.

Isso sem falar na vacinação a passo de tartaruga. Enquanto o Brasil vacina menos de 300 mil pessoas por dia, nos Estados Unidos mais de 2 milhões de norte-americanos são vacinados diariamente. Em Israel, 98 habitantes a cada 100 já estão vacinados, enquanto no Brasil essa proporção não chega a 4 cidadãos para cada 100 habitantes.

Diante desse cenário desesperador, o presidente da República manda o brasileiro que chora a morte de um parente ou amigo parar de frescura e mimimi porque serviço essencial, segundo ele, é o que traz o pão para a casa do trabalhador. Só não disse que essa casa nada tem a ver com a mansão de R$ 6 milhões adquirida por seu filho Flávio Bolsonaro, como foi divulgado também ao longo da semana.

É compreensível a reação do pai de família, do pequeno empresário e do trabalhador autônomo que vão ter de enfrentar mais 15 dias sem renda e sem saber como saldar as dívidas nas próximas semanas e meses. Boa parte não sabe sequer se terá dinheiro para a comida porque uma nova rodada do auxílio emergencial ainda não está definida.

A revolta da população contra as medidas de restrição de circulação e de paralisação das atividades econômicas também não é frescura nem mimimi. É um rugido de sobrevivência e de indignação do qual se aproveita o presidente da República para tentar legitimar mais uma vez seu negacionismo e encobrir sua incompetência no enfrentamento da pandemia.

Bolsonaro mente quando diz que o Brasil é o país que mais compra vacinas e que mais tem vacinado sua população. Aqui mesmo em Serra Negra, idosos com idade entre 77 e 79 anos chegaram a ficar quase 5 horas à espera de uma vacina e muitos voltaram para casa sem a vacinação, porque a quantidade de doses enviada no último lote foi insuficiente para todos.

Bolsonaro mente quando diz que o isolamento social é uma política que não deu certo em lugar nenhum do mundo. No Reino Unido, o lockdown decretado em janeiro em todo o país, combinado com a vacinação, diminuiu em dois terços as infecções por covid-19. Segundo pesquisa da Imperial College London, em Londres a diminuição foi de 80%.

Infelizmente, no entanto, governador e prefeitos também fazem uso político das medidas de enfrentamento da pandemia. João Doria manteve as igrejas e templos abertos de olho nas eleições de 2022, porque sabe que é entre os eleitores evangélicos e cristãos que Bolsonaro ainda mantém maior apoio político. Mantém as escolas abertas provavelmente para favorecer a iniciativa privada.

O ex-vereador Edson Marquezini foi às redes sociais lembrar que teria feito sua parte ao aprovar, nos últimos dias de seu mandato, um projeto que permite a abertura de templos e igrejas da cidade em situações de calamidade como a que vivemos. O projeto, aliás, foi aprovado por unanimidade, provavelmente porque os vereadores também sabem do peso desse eleitorado nas urnas.

Acertada foi a decisão municipal em suspender as aulas das redes pública e privada e proibir cultos e missas no decreto que vai vigorar pelos próximos 15 dias. A expectativa, no entanto, é que a vigilância sanitária aja com rigor na fiscalização de igrejas, bares e restaurantes para que a determinação seja respeitada.

Serra Negra vai amanhecer neste sábado com as portas das lojas fechadas, sem o movimento dos visitantes e serranos nas ruas e sem os preparativos para o feriado de Páscoa, que marca o início da temporada de inverno, a mais importante para a economia da cidade e para comerciantes, muitos dos quais com encomendas fechadas.

Não há disputa entre vida e economia. Mas uma luta pela sobrevivência de ambas que depende do afastamento social, do uso de máscaras, da compreensão da ciência, da vacinação em massa e da resiliência dos brasileiros que nada tem a ver com mimimi e frescura.

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