//EMPREGO// Turismo não elevou renda do trabalhador em Socorro, mostra estudo

Socorro ficou famosa em todo o Brasil por seus projetos de acessibilidade em turismo de aventura


Salete Silva


Um trabalho apresentado em 2018 ao Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (UnB) revela que investimentos no turismo na cidade de Socorro trouxeram reconhecimento nacional ao município pelos projetos de acessibilidade na área de turismo de aventura, prosperidade aos negócios do setor, maior oferta de emprego, mas não contribuíram para elevar a renda do trabalhador.

Socorro foi objeto de pesquisa da monografia para obtenção do grau de bacharelado em Turismo na UnB de Jaqueline Salles Leme. A estância do Circuito das Águas Paulista foi escolhida devido ao seu reconhecimento nacional em projetos de acessibilidade no segmento de turismo de aventura.

As informações do estudo, em especial as que dizem respeito aos trabalhadores, podem contribuir para o debate que Serra Negra está realizando ao revisar seu Plano Diretor de Turismo, que deverá ser aprovado pelo Conselho Municipal de Turismo (Comtur) e pela Câmara Municipal em 2021.

Com o objetivo de identificar os impactos socioeconômicos dos investimentos turísticos na comunidade de Socorro, o trabalho de pesquisa procurou responder à clássica questão: “Uma cidade boa para o turista é boa para o morador?”

A monografia teve como fonte de informação dados registrados em documentos e a coleta de dados entre moradores do município da forma online, via Facebook, e presencial, além de entrevistas com gestores, empresários e secretário de turismo.

As entrevistas com os moradores foram realizadas em Socorro entre os dias 7 e 10 de maio de 2018. Foram entrevistados na ocasião o secretário de Turismo, o consultor de marketing do empreendimento Parque dos Sonhos e o prefeito da cidade.

A maior parte dos entrevistados (29%) tinha renda mensal entre um e dois salários mínimos; outros 20,3% recebiam entre três e cinco salários mínimos; 18% recebiam de dois a três mínimos; e 10,1%, de cinco a dez salários mínimos.

Baixa remuneração

Embora 34,8% dos entrevistados tenham apontado o aumento do emprego e da renda como consequências mais significativas para a comunidade local dos investimentos em turismo, a principal crítica da população é em relação à baixa remuneração do setor turístico, que, segundo os entrevistados, em geral girava em torno de um salário mínimo e uma cesta básica.

A maior parte dos empregos oferecidos era de camareiras e recepcionistas. Muitos moradores se queixaram da informalidade e dos contratos nem sempre efetivados em carteiras de trabalho. “Apesar de ter vários empreendimentos na cidade, como hotéis e pousadas, a demanda de emprego parece não ser suficiente para abarcar a população”, afirma o estudo.


Um dos depoimentos publicados na monografia diz que a maior parte dos empregos disponíveis em Socorro é ofertado por hotéis e comércio. A pouca oportunidade de empregos é atribuída por vários dos entrevistados à ausência de indústrias e de oferta de vagas de trabalho nas áreas administrativas.

Os trabalhadores gostariam de ter maior oferta de trabalho com folgas aos sábados e domingos. “As condições de trabalho acabam não sendo muito favoráveis. Carga horária excessiva, necessidade de horário de trabalho nos finais de semana e feriados, exige habilidades físicas que nem todas as pessoas estão aptas a oferecer”, diz um dos depoimentos citados.

Faltam indústrias

O estudo revela que fica evidente nas entrevistas que nem todos os moradores desejam trabalhar com a atividade turística da cidade. "Há um grande anseio da população pela chegada da indústria na cidade e de empregos administrativos”, afirma a monografia.

“Existe sim oferta de emprego por causa do turismo, mas é muito pouco para atender a população. Precisamos também de indústrias, mas várias foram negadas, provavelmente por interesses de poucos poderosos”, diz um dos depoimentos publicados no trabalho.

“Quando Socorro escolheu o turismo como uma das principais atividades econômicas da cidade, ela abriu mão de várias outras oportunidades, como por exemplo, a criação de um polo industrial (não poluente) que traria milhares de empregos”, diz um outro depoimento.

A questão do emprego, no entanto, divide opiniões. Uma parte da população, e principalmente o poder público, avaliam que muitos cidadãos não se interessam pelos empregos na área do turismo e não procuram qualificação porque as vagas oferecidas pelos hotéis e pousadas requerem trabalho nos finais de semana e feriados.

"Socorro não tem apenas um ramo, que é o turismo. Aqui temos várias malharias, temos uma grande zona rural, que emprega pessoas no serviço da plantação e colheita. Temos uma empresa de cervejaria que emprega mais de mil funcionários. E o turismo que abrange hotel e pontos turísticos capta 15% dos empregos de nossa cidade”, diz um dos entrevistados.

“Se não fossem os turistas eu não estaria empregada. Porém, sempre há outro lado da história, no qual algumas pessoas acham que a prefeitura prioriza os turistas, mais do que os moradores”, diz outra entrevistada. O estudo informa que o secretário anterior avaliou que não havia interesse da população em atrair fábricas para a cidade.

Prós e contras

Socorro é um bom lugar para viver, constata a pesquisa. Melhorias na infraestrutura, como esgoto, coleta de lixo, energia e tratamento de água foram realizadas com os investimentos de R$ 1,7 milhão do Ministério do Turismo, que escolheu o município entre as cidades que seriam contempladas. Socorro foi selecionada pelo ministério devido ao projeto de acessibilidade nas áreas turísticas.

Os moradores consideram a cidade tranquila, com belezas naturais e acolhedora aos turistas, como diz seu slogan: "Socorro, lugar onde ainda se vive”. Os projetos de acessibilidade permitiram a adaptação de prédios públicos na região central.

Há pelo menos mais duas queixas dos moradores. Uma delas é em relação aos preços, que podem ser acessíveis aos turistas, mas considerados “salgados”, segundo 30,4% dos entrevistados, para a renda local.

“Qualidade de vida muito boa, moradores da cidade e região excelentes, mas os valores dos comércios são extremamente abusivos para nós socorrenses!”, diz um depoimento publicado no estudo. A outra reclamação é a falta de tempo para a população frequentar os equipamentos, já que a carga horário de trabalho da maioria inclui finais de semanas e feriados.

O estudo constatou também um desinteresse da população em relação aos assuntos relacionados ao turismo. As áreas de saúde, educação e segurança são de maior interesse dos cidadãos socorrenses.

O Conselho Municipal de Turismo (Comtur) de Socorro é um órgão praticamente desconhecido da população. As decisões turísticas são tomadas quase que exclusivamente pelos empresários e o setor público, segundo o levantamento, embora o secretário entrevistado na época afirme que o Comtur de Socorro é diferenciado.

“O Comtur de Socorro é diferenciado dos outros Comtur. Ele foi copiado por gente do Brasil inteiro, eu dei muitas palestras sobre o que ele é diferente. Aqui sempre foi empresário que foi presidente do Comtur”, afirmou o secretário em depoimento à monografia.

O Viva! Serra Negra procurou por meio da assessoria de imprensa da prefeitura o secretário de Turismo e Desenvolvimento Econômico de Serra Negra, Carlos Tavares, ex-diretor de Turismo de Socorro por 16 anos, para falar sobre as conclusões do estudo, mas não recebeu resposta positiva para o pedido de entrevista.

Acesse a íntegra do estudo no link https://bdm.unb.br/handle/10483/20575

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