- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Ana Paula: “Sonhava em ter um salão bombando,
mas hoje quando consigo mudar uma vida, já vou feliz para casa”
Salete Silva
A cabeleireira Ana Paula Moscão, 28 anos, não foi homenageada pela Câmara Municipal de Serra Negra com moção de aplausos por ingressar na universidade, como ocorreu na última sessão desta legislatura, em que os vereadores Edson Marquezini (PSC) e Roberto de Almeida (Republicanos) trocaram homenagens a seus filhos recém-ingressos na faculdade.
Em vez de receber aplausos, Ana Paula, como os jovens sem acesso à universidade, enfrentou obstáculos típicos de uma sociedade que, apesar de não oferecer as mesmas oportunidades a todos, atribui o sucesso dos cidadãos à meritocracia, ou seja, aos esforços e talentos individuais.
Dez anos depois de concluir o ensino médio e realizar o sonho de se profissionalizar mesmo sem um diploma universitário, a cabelereira tornou-se uma especialista em cabelos naturalmente cacheados, uma moda que vem conquistando atrizes, como Taís Araújo e Juliana Paes.
Para Ana Paula, no entanto, a tendência é mais do que uma moda ou a decisão de abandonar o secador e os produtos químicos. É um trabalho de resgate da autoestima das clientes e da recuperação da própria identidade. “É praticamente um trabalho de psicólogo também”, diz a cabeleireira.
Os resultados financeiros são satisfatórios, mas sua maior emoção vem de realizar sonhos de meninas, adolescentes, jovens e senhoras que assumem a própria beleza abandonando os padrões estabelecidos. Mas até chegar aqui, Ana Paula percorreu um caminho de adversidades.
“Quando terminei o ensino médio, era balconista e tinha muito desejo de ter uma profissão, mas não sabia nem por onde começar”, lembra a cabeleireira.
Ana Paula, apesar de esforçada, durante todo o ensino escolar, encontrou dificuldades de aprendizagem e não podia contar com o auxílio dos pais para melhorar seu aprendizado.
Os dois trabalhavam fora o dia inteiro para garantir o sustento básico da família. Sua mãe praticamente não dispunha de tempo para ajudá-la.
“Ao deixar meus cabelos encaracolados e naturais e me aceitar, melhorei minha autoestima e perdi o medo de muitas coisas, incluindo o de sair da cidade" |
"Não tinha uma base familiar muito estruturada, minha mãe tinha de cuidar dos filhos e trabalhar fora”, lembra. Quando terminou o ensino médio, com muito esforço, Ana Paula não tinha preparo acadêmico nem recursos financeiros para enfrentar o vestibular e arcar com a mensalidade de uma faculdade.
"Sem querer menosprezar a profissão, minha única opção era ser balconista. “Mas me entristecia ver amigos indo para frente, cursando universidade, e eu ficando para trás”, relata.
As manchetes que mostravam a explosão do faturamento do mercado de beleza, que crescia acima de 7% ao ano até 2015 e atingiu mais de R$ 100 bilhões em 2019, seduziram Ana Paula.
“Esse era um setor promissor, que não precisava de faculdade. Ingressei em um curso profissionalizante em Pedreira”, diz a cabeleireira. Tomar a decisão foi só o primeiro desafio.
Vieram muitos outros. Um deles era conciliar o aprendizado de uma nova profissão com o trabalho de balconista em loja de roupas, que tinha uma carga horária que incluía os fins de semana e se estendia nas temporadas de inverno.
“Além da dificuldade de conciliar os estudos com o trabalho, eu era uma menina muito tímida, que não tinha nem coragem de sair de Serra Negra, nunca tinha ido à praia, nunca tinha saído da cidade e meus pais tinham, no máximo, ido até Amparo.”
Ana Paula chegou a pensar em desistir quando chorou pela primeira vez na bancada da escola profissionalizante ao não dar conta de terminar uma escova de cabelo.
"A cliente ficou descabelada e eu chorando”, lembra. Ela sentiu-se desanimada também quando ouviu de colegas de trabalho que jamais seria cabeleireira porque era incapaz de fazer sequer uma trança.
A jovem levou dois anos para concluir um curso que os alunos levam em média seis meses. Em 2014, finalmente, com o diploma de cabeleireira na mão e começando suas primeiras experiências profissionais, Ana Paula se deparou com um novo desafio que foi determinante para seu sucesso profissional.
Sua vida pessoal se entrelaçou com a profissional. A cabeleireira explica que o padrão de beleza ainda vigente é o de cabelo liso, escovado ou com escova progressiva, que é um método de alisamento.
Ana Paula usava essa técnica não só para domar seus próprios cabelos, cacheados e armados, como ela mesma define, mas também para adaptar o cabelo encaracolado de suas clientes ao padrão estabelecido.
A jovem só se deu conta de que era possível uma outra alternativa quando uma representante de uma das principais marcas de produtos de beleza na ânsia de vender os produtos químicos de alisamento disse que seu cabelo era danificado e sem vida. “Fiquei arrasada e entendi que o que usava era uma maquiagem que o mercado oferece para adequar o meu cabelo ao padrão e que só o danificava mais”, lembra.
Outro alerta veio do marido que a desafiou a voltar a ter o cabelo enrolado de quando era menina. Na hora o que lhe veio à memória foram os anos difíceis de infância e adolescência em que só usava o cabelo preso.
“Ouvia de colegas, da minha mãe e até de professores que o meu cabelo ficava feio solto, o melhor era prendê-lo. Eu vivia de coque”, recorda a cabeleireira. Contrariada, mas incentivada pelo marido, Ana Paula aceitou o desafio e levou mais de um ano para concluir o processo de transição capilar, sem procedimentos químicos, para o cabelo crescer em sua forma natural.
Ana Paula abandonou o secador e a chapinha e passou a adotar as técnicas baseadas em estímulos naturais da curvatura do cabelo com cremes e produtos desenvolvidos com esse objetivo.
“O segredo é amassar o cabelo. Quanto mais você estimula a curvatura do cabelo, ele memoriza essa curvatura natural”, explica. Seu cabelo se tornou inspiração para as clientes.
Ao longo do processo de transição, Ana Paula acompanha a cliente, como o médico faz com o paciente, passando receitas de cremes de preços variados e acessíveis para mulheres de todas as faixas de renda. "Dou dicas de tratamento por WhatsApp, mas minha prioridade é dar uma força para que ela mantenha a autoestima", revela.
A cabeleireira explica que o maior desafio é aceitar os cachos e com isso recuperar a autoestima. Há muito preconceito em relação aos cabelos enrolados, que vem do racismo estrutural da sociedade brasileira. “Esse preconceito mina a autoestima das pessoas”, salienta.
Ana Paula diz, no entanto, que ainda enfrenta o preconceito. “Até hoje ouço de algumas pessoas que o meu cabelo fica melhor preso”, lamenta. “As mulheres que optam por usar cabelo mais armado, enfrentam preconceitos. Mas quem passou pela transição, sabe que é muito libertador, vem de dentro para fora e você acaba nem ligando para o que o outro pensa”, acrescenta.
Recuperar a autoestima impulsionou também a carreira de Ana Paula. “Ao deixar meus cabelos encaracolados e naturais e me aceitar, melhorei minha autoestima e com isso perdi o medo de muitas coisas, incluindo o de sair da cidade. Fiz cursos em Campinas, Belo Horizonte, e iria até os Estados Unidos fazer cursos, se tivesse condições financeiras”, afirmou.
Essa mudança na autoestima é o que faz Ana Paula vibrar com a profissão. “Fico emocionada quando mulheres, em especial crianças, saem da minha cadeira com o cabelo balançando, como sempre sonharam”, afirma.
Não só crianças têm resgatado a autoestima em seu salão, instalado no Campo do Sete, como senhoras com 50, 60 e até 70 anos, das quais ouve frequentemente que se soubessem que era possível deixar os cabelos naturalmente bonitos jamais teriam alisado seus cachos.
Ana Paula admite que a moda de cabelos cacheados, aderida por muitas atrizes, impulsiona esse mercado, mas o resgate da autoestima é que explica o sucesso dessa técnica e a adesão cada vez maior das mulheres ao estilo.
“Antes sonhava em ter um salão bombando, com muitos profissionais, hoje quando consigo mudar uma vida, já vou feliz para casa”, afirma. Seu sonho, ela explica, é ampliar sua estrutura para transformar outras vidas.
Ana Paula, no entanto, reconhece que há dificuldades financeiras. Assim como boa parte das colegas de profissão, a cabeleireira recorreu ao auxílio emergencial durante a pandemia, que a ajudou a pagar o aluguel e outros custos do salão. A partir de janeiro, não poderá mais contar com o benefício. Sua expectativa é que 2021 comece com maior movimento, mas admite que pode enfrentar dificuldades sem o auxílio emergencial e com o recrudescimento da pandemia de covid-19.
Assim como Ana Paula, centenas de serranos contaram com o auxílio emergencial para se manter nesses tempos difíceis, muitos deles jovens, desempregados e sem perspectiva de emprego, de diploma, ou de receber uma homenagem na Câmara por ter chegado à universidade. O Contato e endereço: 19 99776-0484 - Salão Samoquias - Rua Luís Vaz de Camões, 125 - Campo do Sete.
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Comentários
Postar um comentário
Os comentários são bem-vindos. Não serão aceitos, porém, comentários anônimos. Todos serão moderados. E não serão publicados os que estimulem o preconceito de qualquer espécie, ofendam, injuriem ou difamem quem quer que seja, contenham acusações improcedentes, preguem o ódio ou a violência.