//CIDADE// Fim do auxílio emergencial a quase 8 mil serranos deve desaquecer economia

Jenifer: Auxílio Emergencial dará agora só para pagar o aluguel


Salete Silva

Sem emprego fixo e trabalhando como funcionária extra no comércio de Serra Negra, a balconista Jenifer Lays Alvani Santana já enfrenta dificuldades para arcar com as despesas da família depois que o valor do Auxílio Emergencial foi reduzido pela metade.

Como mãe solo e única responsável pelo sustento do filho, Janifer recebia desde abril R$ 1.200 de Auxílio Emergencial. Além de pagar aluguel, a balconista conseguia comprar com o dinheiro do programa produtos básicos e incrementar a alimentação do filho com frutas e legumes.

Com a prorrogação do benefício até dezembro, o governo reduziu pela metade o valor pago. Os R$ 600 recebidos agora pela balconista são suficientes apenas para o pagamento do aluguel. As demais despesas da casa dependem da quantidade de horas que Jenifer faz no comércio como funcionária extra.

Situação semelhante vive boa parte dos 7.892 serranos que desde abril, um mês depois do início da pandemia no Brasil, são beneficiários do Auxílio Emergencial, segundo dados publicados no Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União.

Os programas de transferência de renda do governo federal (Auxílio Emergencial, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada BPC) repassaram em 2020 para os cidadãos serranos, segundo o portal, R$ 22,38 milhões.

A maior parte disso é proveniente do Auxílio Emergencial, que repassou aos beneficiários e despejou na economia do município, R$ 18,51 milhões.

O Auxílio Emergencial tirou da linha da pobreza 15 milhões de brasileiros, uma redução da população pobre no Brasil de 23,7% em relação a agosto de 2019, segundo o estudo “Covid, Classes Econômicas e o Caminho do Meio: Crônica da Crise até Agosto de 2020”, divulgado nesta sexta-feira, 9 de outubro, pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social).

O estudo alerta, no entanto, para o risco dessas pessoas voltarem à condição de pobreza com a redução do valor do auxílio emergencial a partir de setembro e, pior, com a sua extinção a partir de dezembro de 2020.

“O boom social ocorrido em plena pandemia é surpreendente, mas enseja uma preocupação porque sua principal causa, que é o auxílio emergencial, generoso, que foi concedido, ele cai à metade agora em outubro, e depois é totalmente extinto em 31 dezembro. Então, nossa estimativa é que esses 15 milhões que saíram da pobreza vão voltar à velha pobreza de maneira relativamente rápida. Isso equivale a cerca de meia Venezuela em termos populacionais”, disse o pesquisador Marcelo Neri em reportagem publicada pelo G1.

“Agora, o Auxílio Emergencial dará somente para o aluguel ainda, graças a Deus que eu faço extra e consigo tirar uma renda para sustentar meu filho”, diz Jenifer.

Sua expectativa é encontrar algum emprego fixo até dezembro quando está prevista a extinção do programa. “Muitas pessoas ainda estão se restringindo por conta da pandemia e o comércio de Serra Negra está voltando aos poucos”, afirma a balconista.

Jenifer relata que em princípio os comerciantes têm intenção de contratar ou recontratar trabalhadores demitidos. “Mas acho que é ainda um momento muito difícil tanto para os comerciantes como para nós trabalhadores”, afirma.

Para a balconista, o receio dos empresários é contratar agora e ter de fechar se houver uma segunda onda da pandemia. “Há muita insegurança ainda com relação à contaminação”, afirma. 

Emprego

A situação do emprego e renda no país ainda é muito crítica, em especial entre os trabalhadores mais pobres, os mais jovens e com menos qualificação.

As camadas com renda acima de dois salários mínimos per capita, lembra o pesquisador da FGV, perderam 4,8 milhões de pessoas na pandemia e 20% na renda. A desigualdade social aumentou com a queda de 28% da metade mais pobre.

Isso significa, segundo o pesquisador, que apesar de o Auxílio Emergencial proporcionar um aumento da renda média, para os mais pobres ocorreu o contrário: a renda do trabalho, que deveria ser a principal renda das pessoas, teve uma queda significativa.

Para o pesquisador, a diminuição na pobreza é temporária e tende a ser totalmente revertida após o fim do Auxílio Emergencial. Economistas dizem que a indefinição do governo em relação ao que pretende fazer quando o Auxílio Emergencial for extinto só agrava as incertezas em relação à retomada da economia.

O Auxílio Emergencial gera consumo e sua suspensão provoca o efeito contrário, mesmo porque a população não tem condições de poupar. “Não consigo guardar dinheiro, pois, como pago aluguel, crio o meu filho sem ajuda de ninguém e é difícil poupar. Tenho que pagar contas”, explica Jenifer.

O governo Bolsonaro ainda não deixou claro o que pretende fazer quando o Auxílio Emergencial acabar em dezembro. O Auxílio Emergencial é um programa aprovado pelo Congresso com a pressão dos partidos de oposição, que fizeram com que Bolsonaro elevasse o valor de R$ 200 inicialmente proposto pelo governo para R$ 600.

O aumento de sua popularidade entre os beneficiários do programa levou o presidente a decidir prorrogar o Auxílio Emergencial e estudar a criação de um novo programa de transferência de renda. Até, agora, no entanto não explicou de onde vai tirar o dinheiro.

Nem o ministro da Economia, Paulo Guedes, nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, apresentou ainda uma proposta.  Eles estão mais preocupados agora com as eleições municipais e adiaram a discussão para depois do pleito eleitoral.

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University, em uma de suas últimas "lives" explicou que não adianta criar um novo programa de transferência de renda para atender a esses trabalhadores sem emprego formal extinguindo o Bolsa Família, que só para os cidadãos serranos este ano repassou R$ 441,2 mil, beneficiando 588 famílias, segundo o Portal da Transparência.

“O Bolsa Família não é emergencial. É um programa de redução de pobreza. Ele é feito para atender aos pobres. Ele atende as pessoas pobres que não teriam condições de ter aquela renda de nenhuma outra fonte. O Bolsa Família funciona de forma muito eficiente. Estudos comprovam isso exatamente porque ele tem foco em redução de pobreza”, salientou a economista.

O Auxílio Emergencial é um programa para os trabalhadores que não conseguem um emprego formal no mercado de trabalho e, como mostrou ao longo da pandemia até agora, tem contribuído para manter as vendas, os negócios e a economia funcionando, além de amenizar o impacto da pandemia no  Produto Interno Bruno (PIB). 

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