//NEGÓCIOS// Sem ajuda do governo na pandemia, quebradeira é geral entre os pequenos

Fátima Fernandes


Quase três meses sem faturar devido à quarentena. E, quando reabre as portas, descobre que o cliente continua sumido e que o custo dos insumos subiu até 40%.

Essa situação vivida pelo sapateiro Marcos Badillo, dono de duas lojas no bairro de Perdizes, é a de milhões de pequenos e médios empreendedores espalhados pelo Brasil.

Badillo até que conseguiu um desconto de 30% no valor das duas locações, mas o efeito da pandemia foi tão avassalador que está lutando para manter o negócio em pé.

“Costumava fazer uma reserva mensal, que foi toda usada. O que está sustentando o meu negócio é o estoque de matérias-primas, que dá para trabalhar por mais seis meses”, diz.

Os preços de insumos químicos, como colas e tintas, e couro, para os solados, subiram até 40% no período da pandemia, de acordo com Badillo.

O que os fornecedores dizem é que esses produtos, que representam entre 40% e 50% dos preços dos serviços dos sapateiros, foram afetados com a alta do dólar.

“Antes da pandemia, alguns dos fornecedores davam descontos de até 15% sobre a tabela de preços. Agora, eles tiraram os descontos e ainda aumentaram os preços.”

E o cliente que voltou, diz ele, é aquele que precisa repor a tira do chinelo de borracha, que custa R$ 5 o par.

O serviço que remunera melhor o negócio, como a reposição de solados e saltos, que custa entre R$ 100 e R$ 120 o par, não está sendo demandado.

“O serviço de sapateiro depende do fluxo de gente nas ruas. Se as pessoas não andam, não gastam os sapatos”, afirma.

A reserva financeira e em estoque de insumos está mantendo em pé a sapataria de Badillo, pelo menos por enquanto.

Mas nem todos os pequenos empreendedores têm a cultura no sentido de se preparar para enfrentar um eventual período de crise.

“Os pequenos empresários já viviam uma situação complicada desde a crise de 2016. Eles não possuem reservas. Vendem o almoço para comer o jantar”, afirma Ivanildo Aristides, dono da Gercon, empresa de assessoria contábil com quase 30 anos no mercado.

Antes da pandemia, Ivanildo tinha cerca de 150 clientes ativos, entre donos de lojas, restaurantes e lanchonetes, que faturavam, em média, R$ 300 mil por mês.

Esses clientes estão espalhados por bairros e cidades como Lapa, Santo Amaro, Penha, Carapicuíba, Suzano, Atibaia e Ferraz de Vasconcelos.

“As vendas dos empresários caíram 90%. Tinha cliente que faturava entre R$ 5 mil e R$ 6 mil por dia. Hoje, fatura R$ 200. Vou ficar com uns 80 clientes ativos, se ficar”, diz.

Desde o início da pandemia, Aristides já providenciou o fechamento de 12 empresas, mas, sob os seus cuidados, 30 estão em processo de encerramento de atividade.

Até o fim do ano, ele acredita que este número chegará a 50, praticamente o triplo do registrado no ano passado, quando fechou 17 empresas.

Os setores mais atingidos, diz ele, são os que comercializam roupas, sapatos e presentes.

A abertura de empresas também vem caindo ao longo dos anos.

Até 2018, o seu escritório abria de 15 a 20 empresas por ano. No ano passado, este número caiu para oito e, neste ano, para três (até agora).

A redução de taxas de juros e a ampliação de prazos de pagamento de empréstimos podem trazer um alívio financeiro para o pequeno empresário, de acordo com Aristides.

O Programa Nacional de Apoio às Microempresas de Pequeno Porte (Pronampe), que teria este propósito, não têm ajudado os empreendedores, pelo menos até agora.

“De cem clientes que tentaram pegar o crédito, só quatro conseguiram. Os bancos estão travando a liberação do dinheiro”, afirma.

Outra ação, mais complexa, que pode ajudar o pequeno empresário, diz, seria a redução da carga tributária e a simplificação da legislação brasileira para tocar um negócio.

“A forma como o governo age hoje em relação aos empréstimos vai provocar um aumento da inadimplência em vez de ajudar os empreendedores”, afirma.

A chamada Peac-Maquininhas, medida do governo para garantir empréstimos para pequenas e médias empresas, é também uma esperança, de acordo com Badillo.

Os estabelecimentos com receita bruta de R$ 360 mil a R$ 300 milhões em 2019 podem pegar empréstimos de até 30% do faturamento por meio de máquinas de pagamento.

As empresas que pegarem o crédito terão até 36 meses para quitar o financiamento.

O governo arca com 100% do risco da operação. Se as empresas não conseguirem pagar pelo financiamento, cabe à União devolver o dinheiro aos bancos.

A medida, que agrada aos microempreendedores, ainda precisa ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Se sair, vai dar um fôlego para os lojistas e prestadores de serviços”, diz Badillo.

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Fátima Fernandes é jornalista especializada em economia, negócios e varejo e editora do site Varejo em Dia.

Reportagem originalmente publicada no Diário do Comércio.

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