//ANÁLISE// Fraude em currículo pode minar expectativa em torno de novo ministro


Fernando Pesciotta

Horas depois de assumir o cargo, o ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, já era o centro de polêmicas que podem minar a boa expectativa inicial da sua gestão, segundo especialistas do setor. O caso tem sido explorado nas redes sociais desde então. Seu currículo fora elogiado, como salientei aqui na sexta-feira, dia 26, mas tem sérios indícios de fraude. O doutorado que disse ter feito na Universidade Nacional de Rosário não existe. Sua dissertação de mestrado na FGV tem vários sinais de plágio.

Na manhã desta segunda-feira, 29 de junho, também a Universidade de Wuppertal, na Alemanha, negou que Docatelli tenha obtido o título de pós-doutorado na instituição, conforme está em seu currículo.

O agravante nessa história é que representantes das próprias instituições é que tomaram a iniciativa de divulgar as aparentes mentiras contadas pelo ministro. Quando viu a divulgação do currículo de Decotelli feita por Jair Bolsonaro, ao anunciá-lo para o cargo, o reitor da UNR, Franco Bartolacci, rapidamente recorreu ao Twitter para dizer que o ministro não tinha o título de doutor naquela universidade. Sua tese no curso acabou reprovada pela banca examinadora.

Pouco depois foi a vez do professor Thomas Conti, do Insper, vir a público com a suspeita de plágio na dissertação de mestrado de Decotelli na FGV em 2008. O professor apresentou longas partes do texto extraídas de outras publicações, incluindo um registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Surgiram também denúncias de plágio de outros quatro trabalhos acadêmicos, todos sem citação da fonte. Conti colocou a tese do ministro num software de detecção de plágio e observou que 12% era cópia do conteúdo da CVM. Os outros trechos sob suspeita têm claros indícios de terem sido inteiramente copiados.

Na imprensa e nas redes sociais, acadêmicos observam, ainda, a incongruência do fato de Decotelli ter tentado um pós-doutorado sem ter um doutorado. O ministro reconhece a falha. Na questão da tese na FGV, argumenta que houve “erro técnico”.

Especialistas do setor lamentam e ignoram denúncias relativas à gestão de Decotelli no FNDE, com casos suspeitos de corrupção. Consideram que ele tem um perfil conciliador, que qualquer coisa seria melhor do que Abraham Weintraub. Sua nomeação surge num momento de fragilidade política de Bolsonaro, que se viu obrigado a tirar um espaço relevante da ala “ideológica” olavista.

Há muito a ser feito na educação, com o agravante de que o ministério se transformou em terra arrasada com Weintraub. Há questões importantíssimas que precisam estar na pauta do novo ministro, como a realização do Enem, o esdrúxulo decreto para nomeação de reitores, Sisu, Fies, bolsas de estudo e pesquisa nas federais. Em vez disso, vai perder muito tempo explicando as fraudes no currículo.

Quanto às acusações de fraude de Decotelli, até agora não se ouviu nenhuma manifestação de Bolsonaro – a educação é um conjunto de temas áridos para ele. Nos últimos dias, apenas silêncio e novas afrontas à pandemia ao aparecer em público sem máscara e provocando aglomeração.

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Fernando Pesciotta é jornalista e consultor em comunicação. Contato: fernandopaulopesciotta@gmail.com

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