//PANDEMIA// Serra Negra não deve flexibilizar quarentena, recomenda MP


O prefeito de Serra Negra, Sidney Ferraresso (DEM), recebeu na sexta-feira, 15 de maio, uma recomendação do Ministério Público, por meio da Promotoria de Justiça local, para que o município não flexibilize as restrições estabelecidas pelo Estado de São Paulo no combate à epidemia do covid-19, sob pena de adoção das medidas judiciais.

A recomendação considera que “os municípios, no exercício de sua competência legislativa suplementar em matéria de saúde, somente estão autorizados a intensificar o nível de proteção estabelecido pela União e pelo Estado, mediante a edição de atos normativos que venham a tornar mais restritivas as medidas concebidas pelos referidos entes federativos quanto ao desempenho das atividades econômicas”. 

O documento reitera ainda que o Supremo Tribunal Federal, além de reconhecer que a necessidade de medidas de distanciamento social constitui opinião unânime da comunidade científica nacional e internacional, sublinhou que a Corte “tem jurisprudência consolidada no sentido de que, em matéria de tutela ao meio ambiente e à saúde pública, devem-se observar os princípios da precaução e da prevenção". Segue dizendo que "portanto, havendo qualquer dúvida científica acerca da adoção da medida sanitária de distanciamento social – o que, vale reiterar, não parece estar presente – a questão deve ser solucionada em favor do bem-estar e da saúde da população.” 

A proibição do atendimento presencial em salões de beleza, manicures, cabeleireiros, barbearias e congêneres e academias de ginástica também é destacada na recomendação: “Considerando que o Governo Estadual, através do Decreto Estadual nº 64.881, de 22 de março de 2020, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto Estadual nº 64.975, de 13 de maio de 2020, pautado em informações técnicas e científicas, adotou a quarentena no Estado de São Paulo por meio da 'restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus' e, nesse sentido, expressamente proibiu o atendimento presencial em salões de beleza, manicures, cabeleireiros, barbearias e congêneres e academias de ginástica (art. 2º, I), por entender que tais atividades não se revestem de caráter essencial.” 


A Promotoria de Justiça de Serra Negra também leva em consideração “as inúmeras decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido da competência dos Municípios para incrementar, jamais flexibilizar, as restrições das atividades econômicas impostas pela União e Estado no combate à epidemia, inclusive no que diz respeito às atividades consideradas essenciais, a exemplo da limitação do horário de funcionamento de postos de combustíveis e a e a suspensão da atividade hoteleira”.

Ainda esclarece o Ministério Público que “o município, no exercício de sua competência legislativa suplementar na edição de atos normativos voltados ao combate do covid-19, não pode, sem o embasamento em evidências científicas e em análises técnicas sobre as informações estratégicas em saúde, afastar-se das diretrizes estabelecidas pelo Estado de São Paulo por meio do Decreto nº 64.881, de 22 de março de 2.020, sob pena de violação ao pacto federativo e à divisão espacial do poder instrumentalizada na partilha constitucional de competências e de colocar em risco os direitos fundamentais à saúde e à vida, ficando sujeito intervenção estadual (art. 47, VIII, Constituição Paulista e art. 35, IV, Constituição Federal), sem prejuízo da responsabilização pessoal do Prefeito Municipal pela prática de crime previsto no art. 268 do Código Penal e de ato de improbidade administrativa (art. 11 da Lei nº 8.429/92).”

Por fim, a recomendação, assinada pelo promotor de Justiça Gustavo Roberto Chaim Pozzebon, pede “uma vez mais a Vossa Excelência, DD. Prefeito Municipal da Estância Hidromineral de Serra Negra, que se abstenha de editar decreto municipal que, não embasado em evidências científicas e em análises técnicas sobre informações estratégicas em saúde, venha a flexibilizar as restrições estabelecidas pelo Estado de São Paulo no combate à epidemia do Covid-19, sob pena de adoção das medidas judiciais cabíveis”.


A recomendação menciona uma série de decisões recentes, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), que consideram inconstitucionais decretos municipais que contrariam medidas dos decretos estaduais.

É a seguinte a íntegra do documento do Ministério Público:

RECOMENDAÇÃO
PAA nº 62.0445.0000080/2020-3
SEI 29.0001.0022270.2020-15

Objeto: medidas de prevenção e contenção do contágio pelo COVID 19
Destinatário: Prefeito Municipal da Estância Hidromineral de Serra Negra

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelo Promotor de Justiça que esta subscreve, tendo por base as medidas que estão sendo adotadas pelas autoridades sanitárias brasileiras no combate à propagação do CORONAVÍRUS (COVID 19);

Considerando a necessidade de acompanhar as políticas públicas de prevenção e contenção adotadas pelo Município de Serra Negra em relação ao denominado COVID – 19;

Considerando que persiste a declaração de emergência em saúde pública de importância internacional (ESPII) feita pela Organização Mundial da Saúde, em 30/01/2020, em virtude da pandemia do novo coronavírus (COVID - 19), e continuam em vigor o Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020, que reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada ao Congresso Nacional por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020, e a Portaria GM n. 188, de 03/02/2020, pela qual o Ministério
da Saúde declarou a situação de emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID - 19),;

Considerando que o Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar sobre a divisão constitucional de competências (arts. 23, II, 24 ,XII e § 2º, 30, I, CF) entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal na edição de atos normativos voltados ao enfrentamento do COVID-19 (Coronavírus), assegurou o exercício da competência concorrente aos Governos Estaduais e Distrital e suplementar aos Governos Municipais (ADI 6341 e ADPF 672);

Considerando, assim, que os Municípios, no exercício de sua competência legislativa suplementar em matéria de saúde, somente estão autorizados a intensificar o nível de proteção estabelecido pela União e pelo Estado, mediante a edição de atos normativos que venham a tornar mais restritivas as medidas concebidas pelos referidos entes federativos quanto ao desempenho das atividades econômicas;

Considerando que o Supremo Tribunal Federal, além de reconhecer que a necessidade de medidas de distanciamento social constitui opinião unânime da comunidade científica nacional e internacional, sublinhou que a Corte “tem jurisprudência consolidada no sentido de que, em matéria de tutela ao meio ambiente e à saúde pública, devem-se observar os princípios da precaução e da prevenção. Portanto, havendo qualquer dúvida científica acerca da adoção da medida sanitária de distanciamento social – o que, vale reiterar, não parece
estar presente – a questão deve ser solucionada em favor do bem saúde da população.” (ADPF nºs 668 e 669);

Considerando que, reafirmando a jurisprudência da Corte, em decisão proferida em 11 de maio de 2020, a Ministra Cármem Lúcia negou seguimento a reclamação (RCL 40426) ajuizada pelo Município de Marília-SP contra decisão judicial que determinou o cumprimento das disposições do Estado de São Paulo em relação à pandemia do Covid-19, por considerar que não houve afronta ao entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a competência dos entes federativos para tratar da matéria;

Considerando que a Lei n. 13.979/2020 excetua das restrições da quarentena os serviços e atividades essenciais (art. 3º, § 9º), assim considerados, na forma do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, os “indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, “aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (art. 3º, caput);

Considerando que o Governo Estadual, através do Decreto Estadual nº 64.881, de 22 de março de 2020, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto Estadual nº 64.975, de 13 de maio de 2020, pautado em informações técnicas e científicas, adotou a quarentena no Estado de São Paulo por meio da “restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus” e, nesse sentido, expressamente proibiu o atendimento presencial em salões de beleza, manicures, cabeleireiros, barbearias e congêneres e academias de ginástica (art. 2º, I), por entender que tais atividades não se
revestem de caráter essencial;

Considerando as inúmeras decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido da competência dos Municípios para incrementar, jamais flexibilizar, as restrições das atividades econômicas impostas pela União e Estado no combate à epidemia, inclusive no que diz respeito às atividades consideradas essenciais, a exemplo da limitação do horário de funcionamento de postos de combustíveis (TJSP; Agravo de Instrumento 2070095-
26.2020.8.26.0000; Relator (a): Paulo Barcellos Gatti; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro de São Bernardo do Campo - 1ª Vara da  Fazenda Pública; Data de Registro: 05/05/2020) e a suspensão da atividade hoteleira (TJSP; Agravo de Instrumento 2067273-64.2020.8.26.0000; Relator (a): Décio Notarangeli; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Campos do Jordão - 1ª Vara; Data de Registro: 29/04/2020);

Considerando, enfim, que o MUNICÍPIO, no exercício de sua competência legislativa suplementar na edição de atos normativos voltados ao combate do COVID-19, não pode, sem o embasamento em evidências científicas e em análises técnicas sobre as informações estratégicas em saúde, afastar-se das diretrizes estabelecidas pelo Estado de São Paulo por meio do Decreto nº 64.881, de 22 de março de 2.020, sob pena de violação ao pacto federativo e à divisão espacial do poder instrumentalizada na partilha constitucional de
competências e de colocar em risco os direitos fundamentais à saúde e à vida, ficando sujeito intervenção estadual (art. 47, VIII, Constituição Paulista e art. 35, IV, Constituição Federal), sem prejuízo da responsabilização pessoal do Prefeito Municipal pela prática de crime previsto no art. 268 do Código Penal e de ato de improbidade administrativa (art. 11 da Lei nº 8.429/92);

Considerando que é função institucional do Ministério Público o exercício da defesa dos direitos assegurados na Constituição Federal sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito pelos Poderes Estaduais (art. 129, II, da Constituição Federal, art. 103, VII, “a”, da Lei Complementar nº 734/93);

Considerando que incumbe ao Ministério Público expedir recomendações ao Poder Público (art. 113, § 1º, da Lei Complementar nº 734/93, art. 27, IV, da Lei nº 8.625/93 e arts. 6º, XX, e 13, da Lei Complementar nº 75/93) visando ao respeito aos interesses cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo para a adoção das providências cabíveis;

RECOMENDA uma vez mais a Vossa Excelência, DD. Prefeito Municipal da Estância Hidromineral de Serra Negra, que se abstenha de editar decreto municipal que, não embasado em evidências científicas e em análises técnicas sobre informações estratégicas em saúde, venha a flexibilizar as restrições estabelecidas pelo Estado de São Paulo no combate à epidemia do Covid-19, sob pena de adoção das medidas judiciais cabíveis.

Fica fixado o prazo de 24h para resposta, dada a excepcionalidade da situação e urgência da matéria.

Serra Negra, 14 de maio de 2020.
Gustavo Roberto Chaim Pozzebon
Promotor de Justiça

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