//OPINIÃO// Liberou geral. O vírus agradece


Carlos Motta

O decreto da Prefeitura de Serra Negra que libera o funcionamento do comércio e serviços na cidade a partir de 1º de junho indica que o Executivo cedeu às pressões da "elite empresarial" local e trocou o enfrentamento técnico da pandemia do covid-19 pelo jogo político.

Mais: reabrir comércio e serviços quando o vírus começa a se espalhar para as pequenas e médias cidades do Interior, como Serra Negra, é jogar uma pá de cal em todo o esforço que a prefeitura vinha fazendo para não permitir que a cidade sofresse grandes danos com a doença.

Basta que uma só pessoa contamine um barbeiro, uma cabeleireira, uma atendente de loja, por exemplo, para que dezenas de outras pessoas sejam infectadas pelo novo coronavírus.

Essa é a realidade que o mundo está vivendo - esse é o enorme perigo proporcionado pela ausência do isolamento social rigoroso.

As centenas de restrições, normas e regras impostas pelo decreto do Executivo aos comerciantes e prestadores de serviços tornam, por si só, impraticável o cumprimento do texto. 

São tantas as exigências - necessárias, diga-se - que poucos, pouquíssimos, conseguirão atendê-las ao pé da letra. E, não o fazendo, estarão sujeitos a pesadas punições - a cassação do alvará de funcionamento de seu estabelecimento é uma delas.

Há ainda um gravíssimo problema nesse decreto cheio de detalhes e minúcias: quem será responsável pelo seu cumprimento, quem vai fiscalizar as centenas de pequenos negócios da cidade? 

É óbvio que a a administração pública não tem capacidade para isso, não tem pessoal suficiente para atentar, por exemplo, se o funcionário de um bar ou de um restaurante está se higienizando com álcool  no intervalo de tempo previsto no decreto.

O argumento econômico usado para justificar a liberação dos negócios também não tem lógica: sem turistas, sem o dinheiro que eles trazem para Serra Negra, o movimento das lojas, dos hotéis, bares e restaurantes, deverá ser ínfimo. Alguns locais que permitiram a volta de atividades comerciais amargaram uma queda de 80% no faturamento, ao mesmo tempo em que viram o contágio pelo coronavírus mais que dobrar.

Tampouco é racional a justificativa de que Serra Negra já tem condições de afrouxar as regras da "quarentena" por não registrar, até o momento, casos de mortes pelo covid-19. Ora, a situação pode se alterar até o dia 1º de junho. E também é evidente que se a situação sanitária é boa por enquanto, isso se deve muito ao fato de que pelo menos metade da população cumpre o isolamento social  - e também ao fato de que comércio e serviços estão fechados.

Os comerciantes, além da perspectiva de que seu faturamento daqui para a frente será mínimo, insuficiente para as despesas correntes de seus negócios, ainda deverão perder o álibi que usaram para renegociar aluguéis - se os valores caíram até à metade foi porque usaram o argumento de que estavam fechados e, portanto, sem clientes. O que vão dizer aos locatários quando os clientes forem pouquíssimos - e suas lojas estiverem abertas?

O decreto também não toca num ponto fundamental para a atração mínima de turistas a Serra Negra, sem os quais a atividade econômica vai continuar baixíssima: os equipamentos turísticos da municipalidade e particulares vão reabrir? O miniférico vai voltar a funcionar? O Alto da Serra e o Cristo Redentor serão liberados às visitas? Os trenzinhos seguirão levando os visitantes para conhecer a cidade?

Essas são algumas perguntas ainda sem respostas e que deixam mais dúvidas sobre o futuro social e econômico da cidade.

A única certeza que existe é a de que reabrir a atividade empresarial neste momento em que a pandemia está em fase de aceleração é a pior medida que o governante pode tomar. Isso porque não resolve o problema dos empresários e prestadores de serviço, que não terão demanda suficiente para manter seus negócios, e aumenta o risco de um desastre sanitário.

Os empresários serranos que nestes últimos meses têm pressionado de todas as formas o Executivo local a permitir, como dizem, "a volta aos trabalho", precisam entender que a única solução para seus problemas se encontra na caneta do psicopata eleito presidente da República: no restante do planeta, governos ajudaram e têm ajudado, com crédito abundante, fácil e quase a custo zero, as empresas, para que possam vencer este momento de extrema dificuldade. Além disso, têm suprido as necessidades dos trabalhadores, para que eles se mantenham isolados, em segurança, à espera de que a pandemia se enfraqueça.

O salve-se quem puder que se vê no Brasil, imposto pelo pior governo de sua história, beira a barbárie. 

Serra Negra, ao contrário do que muitos pensam, não é uma ilha, e está exposta a tudo o que acontece no Brasil, para o bem ou para o mal.

Neste caso e nestes dias, infelizmente, para o mal.

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