//PANDEMIA// Número de casos está subestimado, diz Magaldi

Vice-prefeito Rodrigo Magaldi: "O isolamento social
é a única saída, a única vacina para evitar um colapso"


Salete Silva

O decreto estadual nº 64.881, de 22 de março, que reconhece o estado de calamidade pública e suspende as atividades presenciais do comércio, expira na quarta-feira, 7 de abril, mas deverá ser prorrogado para até o fim do mês. Essa é a avaliação do vice-prefeito de Serra Negra, Rodrigo Magaldi (DEM), médico pneumologista, com base no cenário nacional e internacional da pandemia.

“Esse decreto com certeza será prorrogado, como está ocorrendo no mundo todo. O Donald Trump prorrogou para 30 de abril, assim como o Vladmir Putin, e a Itália está prorrogando para 2 de maio”, disse em entrevista ao Viva! Serra Negra. “Creio que o governo do Estado de São Paulo deve prorrogar até meados de abril e posteriormente até final de abril”, acrescentou Magaldi.

A população serrana, na sua avaliação, respondeu muito bem às medidas de isolamento e mesmo o comércio, apesar das pressões de alguns setores pela reabertura, também, na sua opinião tem compreendido a gravidade da situação.

Os números de pessoas infectadas no país, segundo ele, estão subestimados em virtude da incapacidade de realização de testes necessários para o controle da pandemia. Em Serra Negra, há três casos em investigações e duas crianças internadas, no hospital da Unicamp, em Campinas.

O vice-prefeito fez críticas ao posicionamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM). “Como cientista tenho que me embasar no que é real, no que é técnico, na responsabilidade técnica”, afirmou.

O ministro da Saúde, ele avalia, tem demonstrado que está alinhado com a Organização Mundial de Saúde (OMS), alinhado com o isolamento, com a dessocialização, e tem tomado atitudes que com certeza salvarão muitas vidas. 

 “O presidente poderia tomar uma atitude muito diferente da que está tomando”, concluiu.

A seguir, os principais trechos da entrevista:




Número de casos


Temos três casos em investigação, três casos descartados, temos duas crianças que foram  para a Unicamp, que não entraram na estatística, porém serão pesquisadas para o covid-19. Temos um óbito ocorrido no Hospital Santa Rosa de Lima, ainda sob investigação e um outro paciente que foi a Amparo pela rede privada, esteve internado no Ana Cintra, hoje está internado na Beneficência Portuguesa, com melhora importante do quadro, porém também ainda sem resultado.

Hospital


O Hospital Santa Rosa de Lima tem capacidade muito ampla de atender, mas, claro, como todos os serviços, no mundo todo, como nos Estados Unidos, Itália e Espanha, tende, se o número for muito grande de infectados simultaneamente, ou seja, se a velocidade de infecção for muito rápida, a entrar em possível colapso. Hoje, temos seis respiradores à disposição só para o covid-19. Temos mais dois respiradores no centro cirúrgico. Estamos montando salas específicas lá para o atendimento de infectados por coronavírus, com atendimento e orientação adequados, com profissionais separados. Estamos fazendo nossa parte em relação ao hospital.

Gripário


Estamos montando também um gripário, ou seja, uma unidade de atendimento para pessoas com síndrome de angústia respiratória ou com dificuldade respiratória ou com síndromes respiratórias em geral. Síndromes gripais serão atendidas no Alto das Palmeiras, onde os atendimentos devem começar na segunda-feira. Temos 21 leitos lá com possibilidade de ampliação até 30 leitos, se houver necessidade de manter lá pacientes de baixa ou média complexidade. Pacientes com complexidades mais altas o hospital teria como abraçar. O pronto atendimento no Alto das Palmeiras funcionará como um hospital de campanha.  



Investimentos


O governo federal informou que está enviando para Serra Negra R$ 116 mil para apoiar o combate ao coronavírus. Porém esse valor financeiro ainda não chegou aos cofres públicos. Estamos aguardando. E com esses R$ 116 mil provavelmente não vamos conseguir comprar respiradores, nem por questão de custo, mas porque não temos como, uma vez que os respiradores não serão entregues num prazo curto, menos de 60 dias, mas esses recursos vão ajudar na aquisição de equipamentos de proteção individual e para a contratação de profissionais. Teremos de colocar mais médicos. Já colocamos dois médicos à noite no hospital, nas sextas, sábados e domingos. Todos os dias no hospital temos dois médicos atendendo. Já fizemos também uma subvenção da ordem de R$ 500 mil por mês ao hospital, contabilizando R$ 6 milhões ao ano.

Contaminação do pessoal da saúde


Os profissionais da área da saúde, como são linha de frente e porque há um déficit de equipamentos de proteção, eles acabam sendo mais suscetíveis a se infectarem com o covid-19. Serra Negra tem um profissional ainda em suspeita, que está em casa, isolada, mas está muito bem. Conversamos com ela ainda hoje [sexta-feira, 3 de abril]. Porém, como estão na linha de frente, esses profissionais da área da saúde em geral, como médicos, enfermeiros, pessoal da limpeza, da recepção, da hotelaria, da lavanderia, enfim, quem faz o primeiro contato com os pacientes, correm um risco maior de contaminação.




Números subestimados


Os números sobre a contaminação com certeza estão subestimados. Temos de dez a quinze vezes mais pessoas contaminadas do que esses números que apareceram. Quando tivermos o real número de infectados, se é que vamos ter, acho que não teremos nunca, mas quando nos aproximarmos mais desse número, testarmos mais pessoas e tivermos mais diagnósticos, vamos aumentar muito o denominador e, portanto, o índice de óbitos, a letalidade, vai cair bastante. Em Minas Gerais estão falando em 30 mil exames em aguardo. No Estado de São Paulo estão falando em 35 mil a 40 mil exames em aguardo. Isto é, ainda não tem diagnóstico específico. Esses números divulgados, de 8,3 mil pessoas, 344 mortes, no dia 3 de abril, são números com certeza subestimados.

População também subestima


Esses números subestimados levam a população a também subestimar a gravidade da doença. Costumamos dizer, infelizmente, que o medo é pedagógico. Se não tiver o número real, se não conhecer o inimigo não adianta batalhar, porque vamos perder a batalha. Temos de conhecer o inimigo para ter uma batalha adequada e reduzir os riscos e as perdas com o covid-19.

Colaboração serrana


A sociedade respondeu muito bem e está respondendo muito bem ao enfrentamento da epidemia. O pessoal tem se restringido às casas, tem reduzido o contato com mais pessoas e as aglomerações. A sociedade respondeu muito bem e isso é muito importante. Há cidades vizinhas aumentando muito o número de pacientes, tanto os que apresentam testes positivos quanto os que apresentam síndrome de angústia respiratória que não chegaram à positividade, ou seja, casos suspeitos. Em Serra Negra, não. Tem se mantido há quinze dias em nível estável. Os comerciantes têm todo o direito, e entendemos a parte econômica, de estar conversando, de fazer reuniões e colocar o que é possível fazer, mas acho também, neste momento, apesar de a prefeitura precisar de arrecadação e a gente gostaria de que todo o comércio estivesse aberto, que os hotéis estivessem lotado e que a Semana Santa estivesse com lotação, mas o momento infelizmente impede que isso aconteça. A cidade tem ajudado muito, inclusive os comerciantes. É importante a questão econômica, mas agora é momento para pensar em vidas e é isso que a gente tem prezado por fazer. 




Prorrogação da quarentena


O decreto estadual expira no dia 7 de abril, aliás vale a pena a gente lembrar que fomos vanguardistas, porque o nosso decreto expirou agora no dia 3 de abril, por conta que a gente agiu inicialmente quando apareceram os primeiros casos suspeitos. Cinco dias de diferença para uma pandemia viral é uma eternidade para uma evolução viral, progressão geométrica, que está ocorrendo. Acontece que esse decreto com certeza será prorrogado, como está ocorrendo no mundo todo. O Donald Trump mesmo prorrogou para 30 de abril, assim como o Putin, para 30 de abril, a Itália está prorrogando para 2 de maio a quarentena. Em outros lugares não será diferente. Creio que o governo do Estado de São Paulo deve prorrogar até meados de abril e posteriormente até final de abril.

Colapso hospitalar


É complicado falar sobre possível colapso de atendimento em Serra Negra. Espero que isso não aconteça. Estamos tomando medidas exatamente para que não aconteça. Porém, não tem como não comparar. Nos Estados Unidos, Nova York, hospitais como o Johns Hopkins, Mount Sinai, os maiores e melhores hospitais do mundo, têm passado por crises e colapsos. Colapsaram mesmo. Esses hospitais não têm vaga em lugar nenhum. A escolha de Sofia, escolher entre um e outro, entre quem pode e tem chance de viver, tem sido o cotidiano dos profissionais de saúde naqueles locais. Então hoje, nos Estados Unidos, 1.170 óbitos, ontem 1.040, sempre acima de mil, num país de extrema diferenciação. Califórnia sofre muito, o Estado de Nova York sofre demais, a cidade de Nova York... hoje, seu prefeito disse que tem só mais três dias com respiradores livres. Ele vai perder isso, vai ter um índice de óbito muito grande. Outras cidades também. O sistema de saúde europeu, o italiano, o espanhol sofreram muito. Estamos vendo que mesmo sistemas diferenciados estão sujeitos a colapso, sim.

Isolamento social


Não tenho nenhuma dúvida de que o isolamento social é a única saída, a única vacina para evitar esse colapso. A questão não é tanto o número de casos que teremos, mas a velocidade dos casos. Se tivermos muitos casos num período curto, não tem como evitar. Não tem como o sistema de saúde abraçar uma quantidade grande de casos. Se a gente conseguir achatar essa curva, como todos já sabem, a gente consegue, sim, ter o mínimo de perdas possíveis. Elas vão ocorrer, infelizmente, fica dito aqui, não em tom de alarmismo ou apocalítico, porém a gente tem de pensar que mortes ocorrerão, sim, infelizmente. Têm ocorrido no mundo inteiro em sistemas de saúde infalíveis, a morte tem se apresentado com frequência. Aqui no Brasil, na nossa região e em geral, não deve ser muito diferente.

Bolsonaro x ministro da saúde


Politicamente não vejo com bons olhos essa disputa. É desgaste muito grande o que está tendo em relação ao presidente [Jair Bolsonaro – sem partido], ao Mandetta [Luiz Henrique Mandetta - DEM, ministro da Saúde], ao governador do Estado de São Paulo [João Dória – PSDB], isso é muito ruim. Como cientista, tenho que me embasar no que é técnico e não ficar em achismos, opiniões, o que a pessoa escutou ou tuitou. Como cientista tenho que me embasar no que é real, no que é técnico, na responsabilidade técnica e o Mandetta tem tocado isso com mão de ferro. O Ministério da Saúde tem feito um trabalho espetacular num momento difícil e acho que falta apoio do presidente da República, não tenho dúvida alguma. Em relação ao que Mandetta tem feito, tem demonstrado que está alinhado com a Organização Mundial de Saúde, alinhado com o isolamento, com a dessocialização, enfim tem tomado atitudes que com certeza salvarão muitas vidas. Não é questão de criticar este ou aquele, porque nosso inimigo comum é o vírus. Mas o presidente poderia tomar uma atitude muito diferente da que está tomando.

Mensagem aos serranos


As medidas socioeconômicas têm sido tomadas. Recolhemos a população mais vulnerável, a população de rua, que estava se aglomerando nos banheiros públicos, e colocamos no Centro de Convenções, conseguimos fazer acolhimento com alimentação, higiene. Temos tomado medidas importantes na saúde, o drive thru, as vacinações, o gripário, o aumento dos médicos. Temos tentado minimizar o risco do colapso. A economia é complicada. Gostaríamos de ter movimento na cidade, até para a arrecadação no município, mas isso é impossível. A questão é de fazer escolha técnica e pensar na primeira onda humanitária e numa segunda onda socioeconômica, a da recessão que virá. Temos de combater a primeira onda e não deixar que elas se juntem. Não podemos deixar a segunda onda passar à frente da primeira. Vocês acompanharam o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, que pediu perdão por ter relaxado nas medidas de isolamento, o que fez quatro óbitos iniciais virarem 4.900 óbitos. Não podemos relaxar. O que peço à população é que rezem, orem e que peçam pelos profissionais de saúde, pelos trabalhadores dos serviços essenciais, os garis, pessoal da garagem, pessoal da alimentação, gente que tem de sair da própria casa para cuidar da nossa vida. Essas pessoas estão trabalhando para a gente sobreviver. Peço calma e tranquilidade à população, mas cautela, sobretudo. Muita gente tem usado para criticar políticos, mas o inimigo comum agora é o coronavírus. Fiquem em casa.

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