//OPINIÃO// Em vez de reabrir lojas, empreender



Carlos Motta

Os empresários de Serra Negra talvez não estejam entendendo o que se passa hoje no mundo.

Não são só eles que estão com dificuldades financeiras: o planeta todo vive a maior crise econômica desde o crash da Bolsa de Valores de Nova York, no distante ano de 1929.

A diferença é que, se o crash levou à ruína milhões de pessoas e empresas, a pandemia do covid-19 tem também o poder de destruir vidas, numa quantidade ainda não dimensionada.

E, paradoxalmente, enquanto mais a economia estiver retraída, ou seja, quanto mais a população estiver isolada em casa, interrompendo a circulação do coronavírus, mais vidas serão poupadas - e a vida é tudo que importa.

No caso de Serra Negra os empresários estão perdendo um tempo precioso com a sua tentativa de reabrir as lojas e hotéis pressionando o Executivo e agora ameaçando recorrer à Justiça.

O mérito de suas ações vai além do questionável. 

A insistência em desobedecer os decretos estadual e municipal de enfrentamento da pandemia é uma demonstração de que eles têm pouca preocupação com o bem-estar da comunidade onde vivem e atuam. 


Falando claramente, estão apenas defendendo seus próprios interesses. E  burramente, pois abrir lojas de produtos não essenciais em meio à maior crise sanitária em mais de um século pode ser comparado a querer vender gelo a esquimós. 

Quem, em sã consciência, com o dinheiro em falta, vai, atualmente, comprar algo além de itens necessários à sua sobrevivência?

Para quem os lojistas serranos esperam vender suas mercadorias?

Alienígenas, talvez?

Fala-se que é nas crises que surgem as oportunidades. 

Isso, porém, se aplica a quem possui o verdadeiro espírito do empreendedor, não aos acomodados, sem criatividade e iniciativa, não aos pobres de espírito, os Maria vai com as outras, sem opinião própria, sem discernimento e incapazes de formular um raciocínio lógico ou de analisar fatos por si mesmo.

Números, por exemplo, são ótimos faróis para guiar navios perdidos na tempestade. No nosso caso, para indicar um caminho aos "empreendedores" serranos.

Vamos a eles, portanto: na primeira quinzena de abril o comércio eletrônico no Brasil registrou um aumento de 36% no número de pedidos em relação à primeira quinzena de março, quando o fechamento do comércio ainda não havia sido decretado, segundo a plataforma de e-commerce Nuvemshop, que teve crescimento de 60% no número de novas lojas.

Mais: o ano passado fechou com alta de 16,3% nas vendas do comércio eletrônico, com faturamento de R$ 61,9 bilhões, em comparação com R$ 53,2 bilhões em 2018.

Abrir uma loja online é algo extremamente simples e barato. Administrá-la, também. Seu faturamento pode ser, ainda, bastante inferior ao do período anterior à pandemia. Mas certamente iria ajudar muito o empresário que diz passar por dificuldades. 

Além disso iria expandir seus horizontes, mostrar a ele que seu negócio pode ir muito além de Serra Negra e se libertar de uma mentalidade superada, desconectada do mundo contemporâneo.

Essa é apenas uma sugestão de algo que pode ser feito imediatamente para tornar o cenário menos aterrador para o empresário serrano.

Há, obviamente, muitas outras ações mais práticas e eficientes do que pressionar o Executivo ou entrar na Justiça pela reabertura do comércio.

Basta, como diria Hercule Poirot, o genial detetive nascido da imaginação de Agatha Christie, ativar as "pequenas células cinzentas" que todos dispomos em nossos cérebros. 

Afrouxar a quarentena neste momento é a pior decisão possível. O coronavírus está chegando às cidades pequenas, que vivem ainda uma falsa ilusão de normalidade. Não se preparar para o inevitável é mais que irresponsabilidade. É um crime.

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