//COMUNICAÇÃO// Verdades e mentiras em Serra Negra

Roda de conversa na Casa da Cultura Dalmo Dallari: o perigo das notícias falsas


Carlos Motta

Em tempos assombrados por uma pandemia de um vírus pouco conhecido da comunidade científica, a informação se converte numa arma tão ou mais poderosa que os medicamentos. É por meio dela que as pessoas ficam sabendo dos cuidados que devem tomar para não se contaminar, os sintomas da doença e o que precisarão fazer ao se sentirem infectados pelos seres microscópicos. 

Na tarde de sábado, 14 de março, as 20 pessoas que participaram da roda de conversa promovida pela Casa da Cultura e Cidadania Dalmo Dallari, em Serra Negra, puderam perceber a importância que a informação tem na sociedade contemporânea - e o perigo que as notícias falsas, as "fake news", como ficaram conhecidas, representam para a saúde da comunidade. 

Pouco antes de o debate começar, uma notícia correu as salas da Casa da Cultura numa velocidade estonteante, provocando as mais diversas reações entre quem ali se encontrava: Serra Negra havia registrado o primeiro caso confirmado de infecção por esse novo coronavírus que apavora o planeta, o Covid-19.



Mas quem foi a fonte da informação?

Quem é a pessoa infectada?

Onde ela está sendo tratada?

Essas e outras perguntas ficaram sem resposta.

Assim como algumas outras, nas duas horas de bate-papo sobre as notícias falsas que confundem todo o Brasil - e a pequena Serra Negra.

Uma das certezas que os participantes da roda de conversa extraíram do debate foi que as fake news, embora não sejam novidade, são cada vez mais numerosas. E que o caso do boato sobre a pessoa que teria sido infectada pelo coronavírus na cidade é um exemplo claro da necessidade, cada vez maior, de a sociedade receber informações verdadeiras, de fontes fidedignas.

A conversa versou sobre vários aspectos que caracterizam as notícias falsas - as razões pelas quais são fabricadas, quem lucra com elas, como podem ser combatidas, como se disseminam... Também procurou situar o fenômeno em Serra Negra, onde tem as suas peculiaridades.



Alguns dos pontos abordados pelos participantes da roda de conversa estão resumidos a seguir:

1) As fake news não são novidade em Serra Negra. Existem desde muito tempo e se manifestam com mais intensidade em época de eleições municipais. Geralmente promovem ataques pessoais, para minar a reputação dos alvos. Em eleições passadas não era incomum o chão das ruas centrais ficar cheio de panfletos difamatórios a determinados candidatos. Foi lembrado que houve até comentários de que um candidato produziu panfleto falando mal de si próprio, para atribuir a autoria ao adversário. 

2) Há casos em que as notícias falsas se confundem com a difamação pura e simples, como uma lista apontando, meses atrás, em grupos de WhatsApp, "caloteiros", "gays" e "chatos" da sociedade serrana, replicando outras, mais antigas, que eram impressas e distribuídas clandestinamente.       

3) A cidade tem pouca tradição em possuir uma imprensa profissional. Como exemplo, foi citado o centenário jornal "O Serrano", o único que sobreviveu a várias outras experiências comerciais. Por causa disso, argumentaram participantes do debate, os moradores de Serra Negra usam como fontes de informação blogs pessoais e páginas de redes sociais na internet, que não são produzidas por jornalistas profissionais, mas cujas publicações são confundidas com notícias reais.

4) A desregulamentação da profissão contribuiu para que pessoas sem habilitação se passem por jornalistas. Com a facilidade de montagem de sites, blogs e páginas em redes sociais da internet, várias pessoas começaram a produzir material que intitulam de jornalístico, porém sem que ele possua os critérios básicos exigidos na imprensa profissional, como por exemplo, se apegar ao factual e ouvir o contraditório, ou seja, o "outro lado" da notícia. "Essas pessoas acham que podem falar tudo o que quiserem, em nome de uma suposta liberdade de expressão", afirmou um dos participantes da roda de conversa.

5) Por ser uma cidade pequena, a notícia oral é muito difundida em Serra Negra. Os "causos", os boatos, de certa forma, ocupam o lugar da notícia. 

6) Falta educação política na cidade. Desde há muitos anos, com uma ou outra interrupção, os poderes Executivo e Legislativo locais são controlados pelo mesmo grupo político. No dizer de um participante do bate-papo, "a educação política do serrano vem dos Chedid", se referindo à família que teve o patriarca e um de seus filhos como prefeitos da cidade e que elegeu vários aliados para o mesmo cargo. O controle político da comunidade tem facilitado o controle da informação, resumiram os debatedores.

7) Serra Negra é uma cidade conservadora. Na última eleição presidencial, Jair Bolsonaro obteve 67% dos votos no primeiro turno e 82% no segundo turno. Por maior que tenha sido o desgaste do governo federal de lá para cá, Bolsonaro ainda conta com muitos simpatizantes na cidade. E esses simpatizantes seguem incondicionalmente o seu líder, acreditam nas mesmas coisas que ele. "Esse pessoal acredita naquilo que ele quer acreditar, por isso crê em fake news, mesmo quando alertado sobre a não veracidade daquilo que leu e está espalhando", disse um dos participantes do debate. 

O nome desse fenômeno, informou, é "pós-verdade" - um fenômeno que vem sendo estudado por acadêmicos de vários países nos últimos anos. E que Serra Negra, apesar de pequena, lamentavelmente já incorporou.


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