//MÚSICA// Zé do Banjo? Zé da Guitarra? Não, Zé do Cavaco

Zé e sua guitarrinha baiana: amor à primeira vista

Carlos Motta 

José Maria de Oliveira adora as músicas da Jovem Guarda, do "rei" Roberto Carlos, especialmente. Nem por isso deixa de tocar centenas de outras melodias dos mais variados gêneros. Nesses próximos dias, por exemplo, ele estará dando duro, horas a fio, acompanhando marchinhas carnavalescas, aquelas que todo mundo com mais de 40 anos sabe de cor. 

José Maria de Oliveira é eletricista "residencial e predial" e encanador. Mas pouquíssimas pessoas conhecem José Maria de Oliveira. Para todos ele é o Zé do Cavaco, o homem que se dá bem tanto com chaves de fenda e alicates quanto com vários instrumentos musicais de cordas - violão, banjo, guitarra, contrabaixo e, é claro, cavaquinho. 

Neste Carnaval o Zé troca o cavaco - na verdade uma guitarrinha baiana que é o seu xodó - pela guitarra, para ajudar a tradicionalíssima Banda Lira de Serra Negra a animar os foliões nos bailes das tardes na Praça João Zelante. 

(A guitarrinha baiana, da marca Del Vecchio, afinada como um cavaquinho, foi comprada pelo Zé de um músico que tocou num trio elétrico, anos atrás, no Carnaval em Serra Negra. Zé viu, ouviu e se encantou pelo instrumento. Encontrou o músico num bar e na hora fez a sua oferta pela guitarrinha: "Dou mil reais por ela!" Negócio feito, pegou o instrumento logo que o trio elétrico terminou de se apresentar na cidade.) 

A Lira de Serra Negra se incorporou à sua vida musical, mas a experiência de tocar numa orquestra vem de longe, desde os tempos em que ele fazia parte da icônica André e Orquestra, grupo serrano no qual atuou durante 21 anos e cujo talento ultrapassou as fronteiras do município.

- Tocamos em muitos lugares, nem me lembro mais de todos, fomos em muitas cidades - diz um saudoso Zé do Cavaco. 

E foi nessa orquestra que ele teve a oportunidade de conhecer e trabalhar com um cantor que marcou época na história da música popular brasileira - Altemar Dutra. 

- A orquestra foi fazer um baile em São Carlos, e antes havia um show com o Altemar. Mas aconteceu que o seu violonista, que era seu cunhado, não estava em condições de acompanhá-lo - tinha bebido um pouco demais. O Altemar me viu ali num canto, eu estava tocando alguma coisa, e perguntou se eu não poderia fazer o show com ele. Me pediu para tocar uma música com ele, como um teste. Por sorte era uma que eu conhecia, aquela "sentimental eu sou, eu sou demais...". Toquei, ele gostou, me trouxe o caderno de cifras e fizemos o show. 



Nesse dia, Altemar acabou também virando fã do som da orquestra serrana. Gostou tanto dela que acabaram tocando juntos durante sete anos, período em que, em várias ocasiões, o cantor levou "Zezinho", como chamava Zé do Cavaco, para acompanhá-lo em shows pelo Brasil afora. Um deles foi marcante para o multi-instrumentista:

- O Altemar avisou que tinha comprado passagens de avião para irmos a Belém do Pará. "Avião", pensei... Nunca tinha viajado de avião. Aí fomos ao aeroporto e eu desconfiado. Aí vi um negócio enorme, gente descendo e subindo... Foi aí que o Altemar me disse: "Zezinho, gostou do aviãozinho em que a gente vai embarcar?" Só para encurtar a história: fui de ônibus, demorei 19 horas para chegar lá. 

Se o trabalho com a orquestra foi longo e rendeu muitos "causos", fazer parte dela não foi fácil para o Zé.

- Aprendi cavaquinho menino, meu pai me comprou um e era muito rigoroso comigo. Aprendi sozinho, pegava as músicas de ouvido, fui me desenvolvendo, comprava as revistinhas de cifras, decorava aqueles acordes todos, e aos poucos o pessoal foi me conhecendo. Um dia o André apareceu lá em casa e perguntou se eu não queria tocar guitarra na sua orquestra. Topei na hora. Aí ele me deu o repertório, uns cadernos de cifras, para eu estudar. Quase fiquei louco: eram 125 músicas! 

O apelido Zé do Cavaco é outro "causo" que o músico conta com gosto:

- Era um sábado à tarde, estava num bar, brincando com o cavaquinho. Lembro até da música que estava tocando, o "Biquíni Amarelinho"... Aí um sujeito que estava ali perguntou meu nome para um amigo seu, que respondeu: "Ah, esse é o Zé... Zé do Cavaco." E começaram a me chamar assim. Não gostei, porque "cavaco" para mim me lembrava da tarefa que minha mãe me dava, quando a gente morava no sítio. Eu tinha de pegar os cavacos no mato para o fogão a lenha... Quando o sujeito falou "Zé do Cavaco" me veio a imagem de um monte de cavacos. Não gostei... 

Embora especialista em instrumentos de cordas, Zé tem outra habilidade que ele tem procurado explorar: a sua voz. É isso: para quem não sabe, além de ser um exímio músico, o Zé é cantor, voz bonita, suave, afinadíssimo. E é com essa voz e a ajuda da tecnologia proporcionada pela internet que ele montou um show, que já exibiu para uma plateia num hotel da cidade. 

- Tenho um repertório grande e variado, não é só Jovem Guarda. Fiz um espetáculo, só eu e um rapaz que cuidava do computador, de mais de uma hora. Foi gostoso. 

Zé lamenta que hoje haja tão poucos locais para se tocar em Serra Negra. Lembra com saudade das apresentações que fazia com o humorista Zé Botina no hotel Vale do Sol, do grupo que tocava muitos sambas-canções no Café do Barulho, da vez em que foi com André e Orquestra acompanhar Altemar Dutra no programa Raul Gil, na TV Record, em São Paulo.

- Infelizmente não dá para viver da música - afirma. 

Por via das dúvidas, porém, ele diz que se alguém se interessar em ouvir belas melodias do passado, é só ligar que ele providencia seu show. 

- O número do meu telefone é 19-3842-2970. Mas diz que quer falar com o Zé do Cavaco. Às vezes eu esqueço que meu nome é José Maria Oliveira.



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