//ASSISTÊNCIA SOCIAL// Faltam recursos para as crianças

Maria Luiza e Sheila: 27 crianças aguardam por vagas no Instituto Nuvem

Salete Silva

O Instituto Nuvem, em dez meses de funcionamento, começa a se consolidar como uma das instituições de Serra Negra voltadas para o público infantil e infantojuvenil.

Por falta de recursos financeiros, assim como a Guarda Mirim, que oferece assistência a crianças e adolescentes no município, o Instituto já conta com uma fila de espera maior do que o dobro do número de meninos e meninas atendidos.

A instituição recebe dez crianças, de 6 a 12 anos, no contraturno escolar. Mais 27 nessa faixa etária aguardam por uma vaga.

Todos os dias, a entidade recebe visitas de pais e mães interessados em cadastrar seus filhos, segundo a coordenadora do Instituto Nuvem, Sheila de Nogueira Carvalho.

“Isso porque ainda não fizemos trabalho de divulgação e estamos em funcionamento há apenas três meses”, avalia.

A demanda é crescente por diversos fatores. Um deles é a crise econômica, que obriga pais e mães a trabalhar em período integral.

O outro é a ausência de família extensa – parentes e familiares próximos, como tios e avós, com os quais as crianças possam ficar enquanto os pais trabalham.

Há ainda a desestruturação familiar cada vez mais frequente, em consequência em especial do uso e tráfico de drogas.

“Não há crianças passando fome nem com necessidades materiais muito graves, mas há sérios problemas psicossociais”, explica a psicopedagoga institucional Maria Luiza Fonseca Manzano.

Concebido como Organização da Sociedade Civil (OSC), sem fins lucrativos, o Instituto Nuvem tem como finalidade a defesa de direitos sociais e a oferta de serviço de convivência e fortalecimento de vínculos (SCFV).

Esse era um dos atendimentos realizados, até o ano passado, pelo Educandário Nossa Senhora Aparecida, cujo trabalho atual está voltado à educação infantil, de zero a seis anos.

Parte das crianças acolhidas pelo Instituto integrava a listagem do Educandário. Outra parte foi cadastrada pela entidade por recomendação da direção de escolas ou por profissionais do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) ou ainda por demanda dos próprios pais.

O atendimento começa por volta das 11h20 na sede do Instituto Nuvem, que fica na Rua José Bonifácio, 84, na região central.



Até às 17 horas, as crianças realizam uma série de atividades, que vai de acompanhamento de tarefa escolar, contação de história, sessão de cinema e até um cochilo para as que acordam mais cedo.

Duas oficinas de arte, caratê, inglês, culinária e meio ambiente, entre outras atividades, são ministradas diariamente.


A equipe do instituto e as crianças atendidas 
O Instituto serve duas refeições: almoço e café da tarde. As atividades são acompanhadas pela psicóloga Thaysa Alcantara Monteiro Arruda, a assistente social Débora Macioni, e as estagiárias de educação e psicologia Bruna Pinton Venturini e Jéssica Fernanda Macioni.

As oficinas são oferecidas gratuitamente ao Instituto por profissionais serranos, como o professor de caratê Paulo Godoy, o biólogo Luiz Antônio Silva Ramos e a empresária Adriana De Biasi Dorigatti, diretora pedagógica do Let's Go Idiomas.

Apesar de contar com trabalho voluntário e doações, os custos mensais do Instituto chegam a R$ 10,2 mil. Os funcionários são contratados pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O aluguel consome R$ 2,5 mil mensais do orçamento.

As despesas são pagas com recursos próprios, levantados com contribuição dos associados, eventos e doações da sociedade e de entidades.

“Alguns programas e entidades sociais na cidade, como o Viva Leite e o Fundo Social de Solidariedade, funcionam muito bem”, diz Sheila.

Empresários e a população serrana contribuem com doações materiais. “Para realizar um bingo, por exemplo, levanto rapidamente as prendas e também consigo arrecadar mantimentos, mas há muita dificuldade de obter doações em espécie”, afirma.

O Instituto carece de recursos financeiros provenientes da iniciativa privada e do setor público. “As contribuições poderiam vir de empresas maiores, da rede hoteleira e do turismo que movimenta a cidade”, afirma.

Santista, residente em Serra Negra desde os 12 anos, Sheila já morou em Portugal, país de origem materna, e no Rio de Janeiro, na região dos Lagos.

Formada em Direito e com pós-graduação em projetos sociais, retornou em 2012 a Serra Negra, onde seus pais residem há 32 anos, trazendo na bagagem a ideia de criar projetos de defesa de direitos sociais.



O plano inicial era desenvolver um trabalho social para atender uma demanda local por instituição de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco, seguindo o modelo de casa lar.

A ideia se tornou inviável porque o município opta por contratar os serviços do projeto Lar Feliz, de Jaguariúna, para o qual é repassado cerca de R$ 161 mil por ano pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.

A contratação da empresa, informa a assessoria de imprensa da prefeitura, ocorreu via concorrência e somente o Lar Feliz se credenciou.

Em entrevista ao Viva! Serra Negra, o promotor de Justiça Leonardo Carvalho Bortolaço informou que não há demanda em Serra Negra para uma instituição de acolhimento de crianças em situação de risco.

Na época da concorrência vencida pelo Lar Feliz o edital solicitava serviço para atender três crianças. Segundo a assessoria de imprensa, esse número “varia de acordo com a demanda”.

Hoje, cinco crianças, segundo a assessoria, estão acolhidas no Lar Feliz, a um custo que varia de R$ 3.500 a R$ 4.300,00 por criança. A prefeitura arca também com o custo do transporte das famílias para as visitas.

O serviço será mantido no próximo ano. Para Sheila, esse tipo de serviço poderia ser oferecido em Serra Negra. “Além de menor gasto, seria possível realizar um trabalho de reabilitação familiar mais eficiente”, observa.

Mas o Instituto Nuvem optou por oferecer assistência social sem alojamento e serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, dando sequência ao trabalho realizado pelo Educandário.

“O que fazemos hoje não tem nada a ver com o Educandário, mas é o mesmo serviço que era feito pelas freiras para essa faixa etária”, explica Sheila.

A expectativa da coordenadora para 2020 é estruturar a arrecadação financeira por meio de parcerias com empresas e a iniciativa privada para ampliar o atendimento.

O Instituto Nuvem pretende participar do chamamento realizado pela prefeitura e previsto em edital publicado em novembro para receber recursos municipais destinados a entidades sociais.

“Não temos previsão ainda de recursos municipais, estamos cadastrados como entidade que oferece serviço de convivência e fortalecimento de vínculos e vamos tentar captar recursos”, explica Sheila.

Entre os projetos prioritários para o próximo ano, destacam-se ações de apoio às famílias desestruturadas em consequência do tráfico e uso de drogas. “O tráfico é um problema sério, com o qual tenho uma preocupação pessoal”, afirma.

Ela tem observado que há aumento do encarceramento de pais e mães de crianças não só de Serra Negra. Em cidades vizinhas esse também tem sido o principal fator de desestruturação e alteração da dinâmica familiar.

“Ter pai ou mãe preso está cada vez mais comum e as visitas aos presídios estão virando passeio de fim de semana das crianças”, constata.

Há vans, segundo ela, que saem dos municípios da região nos finais de semana lotadas de mulheres e crianças. 

“A normalização dessa situação é que preocupa, porque tudo o que a criança já vê dentro de casa está virando rotina”, conclui. 




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