//OPINIÃO// Doria, Bolsonaro e as apostilas do 8º ano


Salete Silva

Conheci um garoto de 14 anos, inteligente, interessado em matemática, história, literatura e artes, que se dizia agnóstico porque não conseguia provar a existência de Deus por meio da ciência. Os pais, católicos, não entendiam de onde aquele menino tirou essa ideia.

Não foi dos livros escolares, não foi das conversas em casa, pois, além dos pais, os avôs eram católicos praticantes e um dos quais tinha sido até catequista.

Os pais, mesmo contrariados, respeitaram a opinião do filho e assim mantiveram o bom relacionamento com o adolescente sempre educado, gentil, generoso, ético e solícito com amigos, professores, crianças e adultos de forma geral.

Lembrei-me desse caso, quando li nos jornais que o governador João Doria (PSDB) mandou recolher um material didático por causa de uma suposta “apologia à ideologia de gênero” e privou os alunos, com 14 anos, do 8º ano da rede de ensino estadual de São Paulo, de temas como equação de 1º grau, figuras de linguagem e revoltas no Brasil colonial.

Jogar fora milhões de apostilas por causa de alguns parágrafos, quando o Brasil vive a maior e mais longa crise econômica, que teve como principal causa a falência financeira do Estado, segundo o próprio governador, é como rasgar dinheiro. O Ministério Público de São Paulo instaurou inquérito para apurar o caso.

O material recolhido apresentava alguns conceitos como sexo biológico, orientação sexual e identidade de gênero e suas respectivas classificações: cisgênero, quando a pessoa se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu, e transgênero, quando não se identifica. O texto citado era de autoria do Ministério da Saúde.

Coincidentemente, o recolhimento das apostilas pelo governador vem bem no momento em que o tucano trava uma briga política com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), no qual se escorou para chegar ao Palácio dos Bandeirantes, mas cuja popularidade agora despenca nas pesquisas de opinião pública.

Na tentativa de se afastar de Bolsonaro, que já não goza mais do prestígio que ajudou o governador a se eleger e, provavelmente, de olho nas eleições de 2022, Doria tem feito duras críticas ao presidente, uma das quais pela indicação do filho como embaixador nos Estados Unidos.

O presidente não deixou por menos e uma de suas piores críticas foi chamar o governador de “ejaculação precoce”, ao comentar as chances do tucano de se eleger presidente em 2022.

O recolhimento das apostilas agrada em especial aos eleitores conservadores, muitos dos quais, segundo as pesquisas, começam a reprovar o governo Bolsonaro.

Críticas ao que religiosos e conservadores chamam de "ideologia de gênero" podem render apoio a Doria, assim como renderam a Bolsonaro. O presidente conquistou votos entre esse eleitorado ao inventar o uso de um kit gay por escolas e transformar esse assunto em um dos principais temas de sua campanha.

Jogo político à parte e voltando ao adolescente agnóstico de 14 anos, os pais que conhecem e estabelecem um bom canal de comunicação com seus filhos não se sentem inseguros com a informação que chega até eles, seja na escola, na internet ou em qualquer lugar que ele frequente.

Acompanhar o dia a dia na escola, se interessar pelos acontecimentos em sala de aula e pelas conversas com amigos, além de manter um bom relacionamento com professores dá mais resultado do que censurar conteúdos, que certamente os adolescentes já viram nesse mundo globalizado e altamente tecnológico.

O acesso irrestrito ao conhecimento é fundamental para o bom desenvolvimento de meninos e meninas de 14 anos, assim como o respeito a suas opiniões sobre o mundo. 

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