//MÚSICA// A "salada" que o maestro temperou


Carlos Motta

As cerca de mil pessoas que foram, na noite de domingo, 25 de agosto, ao teatro do Centro de Convenções, aplaudiram de pé a apresentação da Orquestra Jazz Sinfônica de São João da Boa Vista, regida por Agenor Ribeiro Netto. O conjunto, com cerca de 60 músicos, tocou um pouco de tudo: trechos de peças eruditas, temas de filmes famosos, Luiz Gonzaga, Adoniran Barbosa, Pink Floyd, Abba, Michael Jackson... Uma "salada musical", como explicou o maestro.

A Jazz Sinfônica de São João da Boa Vista está longe de executar um concerto tradicional, e isso se deve em grande parte ao seu regente - e fundador. Agenor Ribeiro Netto pode ter gestos de maestro, se vestir como maestro, conduzir o grupo como um maestro, mas foi mais que um maestro na apresentação de domingo: foi, antes de mais nada, um showman, um espetáculo à parte. Sem ele, a "salada musical" estaria sem tempero.

Agenor contou "causos", apresentou solistas e cantores, e até se fantasiou como o sinistro Darth Vader, na execução do tema do filme "Guerra nas Estrelas". Também solou acordeão em "Qui Nem Jiló", regeu a plateia e conclamou todos a dançar no fim do espetáculo. Ou seja, expandiu os limites do que poderia ser apenas uma correta apresentação musical.

O repertório da orquestra, composto por 90% de peças bastante conhecidas, também merece reflexões. Pode ser que tais escolhas tenham sido para agradar a audiência e tornar a sessão musical bastante palatável. É bem provável que seja isso. Mas também pode ser que o maestro use e abuse desses standards para, de certa forma, educar uma plateia que não está acostumada às peculiaridades de um conjunto sinfônico. 

Muitos anos atrás, numa viagem ao Rio Grande do Sul, ouvi de um enólogo de uma conhecida vinícola, que o brasileiro ainda estava na fase de comprar, beber e gostar do vinho mais adocicado. "Isso passa", disse ele. "Com o tempo, os brasileiros vão trocar esse tipo de vinho pelo seco, que tem mais nuances de sabor", completou.

No caso do maestro Agenor Ribeiro Netto e sua Jazz Sinfônica, acho que é exatamente isso o que ocorre. Por enquanto, ele oferece ao público um vinho doce - um bom vinho doce -, porque sabe que poucos iriam apreciar, neste momento, um Cabernet Sauvignon bem harmônico, descansado meses e meses em tonéis de madeira. 

Artistas e profissionais como ele são, principalmente agora que Serra Negra procura figurar entre os protagonistas dos destinos turísticos do país, muito bem-vindos. Como disse, as músicas que regeu domingo à noite funcionam como um aperitivo do megaespetáculo que tenta trazer para a cidade, a Sinfonia das Águas, que tanto sucesso vem fazendo em Poços de Caldas ao longo dos anos. 

Tempos de crise, tempos difíceis, exigem audácia para superá-los. Seria ótimo para todos que as lideranças empresariais da região tivessem a mesma ousadia e visão profissional que o maestro tem em seu trabalho. E bancassem o seu projeto, que se viabiliza pela tão incompreendida Lei Rouanet.

Pensar grande nunca é demais. 

Demais é cobrar R$ 5 por uma garrafinha de 300 ml de água mineral, como o bar do Centro de Convenções cobrou domingo...

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