//ENTREVISTA// Sem verba, programas sociais podem parar

Danilo Guerreiro: "Estão segurando os recursos que deveriam ser liberados"


Salete Silva


A liberação de recursos do governo federal para os programas sociais desenvolvidos no município pela Prefeitura de Serra Negra está paralisada. Alguns programas mantidos com verba do governo Jair Bolsonaro (PSL) pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social correm o risco de parar por falta de verba. Um deles é o Bolsa Família, que atende 516 famílias e cerca de 2.064 pessoas, 7,3% da população serrana.

Em entrevista ao Viva! Serra Negra, o titular da pasta, Danilo Francisco Andrade Guerreiro, o Danilo da Farmácia, revela que uma das contas bancárias abastecidas pelos repasses financeiros do governo federal não recebe novos depósitos há quase um ano e se continuar assim os programas sociais podem parar.

Entre 10 a 15 pessoas em busca do Bolsa Família são avaliadas e cadastradas todos os meses pela secretaria para receber o benefício, mas desde maio nenhum novo cadastro foi liberado pelo governo federal.

Na tentativa de manter o orçamento anual da secretaria, estimado em R$ 250 mil, o secretário vai tentar buscar ajuda de deputados para conseguir liberar os recursos. A prolongada crise econômica tem elevado a demanda pelos programas sociais.

Para chegar às famílias carentes e em especial aos cidadãos que necessitam do auxílio dos programas sociais, mas que têm vergonha e receio de pedir ajuda, a secretaria lançou um novo programa, o Assistência Social no Bairro, que leva seus técnicos às áreas mais carentes para cadastrar os moradores e fazer um mapeamento das famílias carentes do município.

A seguir, a íntegra da entrevista:   

Viva! Serra Negra - Quais são os projetos prioritários da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social?

Danilo – A maioria dos projetos são federais e executados no CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], que fica no Alto das Palmeiras. Os projetos desenvolvidos hoje atendem 3.300 famílias. Só no Bolsa Família são 516 famílias. Os técnicos vão fazer visitas, saber se a pessoa precisa realmente ou não. A população às vezes não tem informação, mas é muita gente atendida pelos programas.

Viva! Serra Negra – Quais são os outros programas?

Danilo - O Benefício de Prestação Continuada (BPC), um tipo de aposentadoria, no valor de um salário mínimo, para a pessoa idosa com mais de 65 anos e deficientes. O BPC atende em Serra Negra 230 idosos e 208 pessoas com deficiência. Tem também o programa de distribuição de cesta básica. A cesta é fornecida por seis meses, que não é um prazo grande, e a pessoa tem esse tempo para tentar ir voltando à vida normal. Se não conseguir, renova por mais seis meses. Estipulamos um período para não ficar pegando direto, senão fica muito fácil.

Viva! Serra Negra – Como as pessoas chegam até os serviços da secretaria?

Danilo – Tem o nosso pessoal, que faz as visitas, e tem também informações que chegam pela população, como o vizinho que vê e nos comunica. A pessoa às vezes não tem coragem, tem vergonha de ir atrás. Então o vizinho ou alguém avisa e a gente vai até a casa da pessoa. Vai o pessoal da assistência social para ver se realmente precisa e dá a assistência, cesta ou avalia de que forma a pessoa ou a família pode ser encaixada nos programas. Temos programas do Estado também, como o Viva Leite.

Viva! Serra Negra – Quais são os programas municipais?


Danilo – Temos a escola especial, em parceria com a Secretaria da Educação, e temos o programa Casa Dia, procurado por pessoas idosas que não têm atividade em casa. A Casa Dia oferece alimentação, café da manhã e café da tarde, além de oficinas.

Viva! Serra Negra – Quantas pessoas são atendidas pelo Casa Dia?

Danilo – Cerca de 20 pessoas, que passam o dia, participam de oficinas, dança e passeios, além de fazer toda a alimentação. É para a pessoa que trabalha, tem pai e mãe idosos que não tem com quem ficar. O projeto funciona no recanto das freiras, perto do Macaquinhos. A prefeitura oferece o transporte para levá-los. Só não aumentamos o atendimento porque não temos transporte para atender mais pessoas.

Viva! Serra Negra – A secretaria lançou estes dias alguns projetos, entre os quais o Assistência Social no Bairro...


Danilo – Sim, este começou dia 22 de agosto. É um projeto semelhante ao CRAS Itinerante, com algumas modificações. O objetivo desse programa é nos aproximarmos mais da população e conhecer os problemas de cada bairro. Cada bairro tem certas peculiaridades e o objetivo é oferecer assessoria jurídica, vacinação, atividades esportivas, entre outras ações, e com isso atrair a população para tentar captar informação e inserir as pessoas nos programas sociais. Tem gente que está passando necessidade e não tem coragem, não tem conhecimento dos programas.

Viva! Serra Negra – A prefeitura tem ideia de quantas pessoas no município estão na linha da pobreza, ou seja, que têm renda familiar mensal de menos de R$ 400?


Danilo – São as famílias do Bolsa Família, porque para se cadastrar precisa ter renda per capita abaixo de R$ 84. Essa é a estimativa.

Viva! Serra Negra – Esse número de famílias na linha da pobreza tem crescido?


Danilo – Tem crescido, sim, por causa da crise econômica.  Mas veja, até 2017, atendíamos cerca de 600 famílias. No ano passado começou a cair e agora atendemos 516 pessoas. Mas essa queda é porque não tem mais recurso.



Viva! Serra Negra – O governo federal não tem repassado recursos para incorporar novos cadastros?

Danilo – Isso. Por isso, está diminuindo. O governo não está liberando. Como podemos observar na série histórica, o número de beneficiários se reduziu de aproximadamente 620 para 520 de janeiro de 2017 até o período atual. No entanto, o município sempre teve um número de novas concessões do PBF de aproximadamente 10 a 15 famílias por mês, mas desde maio de 2019, nenhuma família teve o benefício concedido, mesmo estando dentro dos critérios para serem contempladas com o programa.  

Viva! Serra Negra – Tem aumentado a procura também por outros programas?

Danilo – Sim, pelo Frente de Trabalho, por exemplo, que é municipal. Só que a prefeitura atende nesse programa 62 pessoas e não dá para atender mais.

Viva! Serra Negra – Qual é o orçamento da secretaria?

Danilo – O orçamento é variável. Há várias contas, seis ou sete, relativas aos programas federais. Só que agora a maioria dessas contas não tem recebido depósito. Não está recebendo repasse federal. Está tudo atrasado.

Viva! Serras Negra – Mas qual era o orçamento antes dos atrasos?

Danilo – Era uma média de R$ 250 mil. Essa verba vinha dos benefícios concedidos pelo governo federal. Quando estava sem atraso, depositavam, por exemplo, R$ 10 mil por mês e esse recurso vinha mensalmente, se não usássemos fazíamos um caixa. Agora, se depositam R$ 10 mil, só vão depositar mais depois de gastar tudo. Esse esquema é mais difícil de trabalhar e foi adotado bem agora na hora da crise econômica.

Viva! Serra Negra – Essa mudança no repasse de verba federal é consequência da crise econômica e da lei do teto de gasto?


Danilo – Com certeza. Estão segurando os recursos que deveriam ser liberados nessa área de assistência social. Se continuar assim, vou procurar deputados para tentar desbloquear alguma verba. Vai começar a parar programa. Tem conta que faz quase um ano que não estão depositando.

Viva! Serra Negra – Quais programas você acha que serão mais afetados?

Danilo – Todos, incluindo o Bolsa Família, que vem de uma dessas contas atrasadas.

Viva! Serra Negra – A explicação que dão é que não tem recursos?

Danilo – É isso aí. Não tem recurso, é contenção de gasto.

Viva! Serra Negra – Você disse que vem aumentando a procura pelo Bolsa Família, mas mais de 500 famílias, que dá cerca de 2.000 pessoas, já é um número considerável, não?

Danilo – Já é um número considerável.

Viva! Serra Negra – Há alguma área da cidade em que concentra mais moradores beneficiários dos programas sociais?

Danilo - A maioria é da parte mais vulnerável: Colina, São Luiz...

Viva! Serra Negra – Qual é o perfil dessas famílias?

Danilo – É diversificado. São pessoas mais simples e famílias numerosas. Mas vem aumentando e a crise econômica pegou pessoas de todos as faixas de renda. Virou uma bola de neve.

Viva! Serra Negra – Qual é a prioridade da sua secretaria neste momento de crise econômica?

Danilo – A prioridade é divulgar os programas disponíveis neste momento em que ainda tem algum dinheiro. Os programas não estão paralisados. O objetivo é chegar nas pessoas que estão passando necessidade e que não têm coragem de procurar ajuda na secretaria.

Viva! Serra Negra – As pessoas não procuram por vergonha?

Danilo – Provavelmente. Chegam informações de vizinhos e de alguém que informa que há pessoas passando necessidade. Esse projeto nos bairros é para chegarmos nessas pessoas e apresentar os programas sociais. Vamos oferecer serviços, brincadeiras, e fazer o cadastramento do pessoal. É um projeto para fazer uma busca, um mapeamento da população e conhecer a renda per capita.

Viva! Serra Negra – Foi você quem idealizou o projeto?


Danilo – Existia o CRAS Itinerante, criado para divulgar as ações do CRAS, mas que estava desativado há uns seis anos. Então, nos inspiramos nele e criamos um projeto especialmente para este momento de crise econômica.

Viva! Serra Negra – Os programas sociais, em especial o Bolsa Família, recebem muitas críticas da sociedade. Por que você acha que isso ocorre?

Danilo – A pessoa critica até sentir na pele. Quando a pessoa sente na pele entende que precisa haver esses programas. Veio um moço esses dias, pedindo pelo amor de Deus uma cesta básica. Estava desesperado. Há casos muito graves e alguns só entendem sentindo na pele. Quando a pessoa está numa fase dessa, ninguém abre as portas, ninguém vende fiado. Tem de ter esses benefícios.

Viva! Serra Negra – O que se ouve da população é que pessoas que não precisam recebem esses programas, como o Bolsa Família...

Danilo – Aqui em Serra Negra é bem fiscalizado. O serviço do CRAS e do CREA é bem feito. Você não vê uma família que tem bom poder aquisitivo pegando esses programas. Só recebe quem realmente precisa. Para isso, é feita uma avaliação com rigor e voltam a cada seis meses para refazer e saber, por exemplo, se a pessoa está registrada. Além disso, muitos beneficiários quando melhoram de vida vêm aqui dizer que não precisam mais. Eles vêm dizer com satisfação que não precisam mais do programa.

Viva! Serra Negra – Por que você acha então que as pessoas fazem essas críticas sem ter informação?

Danilo – É um pensamento de que as pessoas entram nos programas sociais porque não querem trabalhar, mas peguei casos em que as pessoas não conseguem emprego. Hoje, o grau de escolaridade exigido é maior. Muita gente tem faculdade e os que não têm nem primário e até os que só têm ensino médio não conseguem nada. E se tem algum passado na polícia, tem mais dificuldade ainda que o normal.

Viva! Serra Negra – O que temos visto também é pedintes e pessoas de fora perambulando pelas ruas da cidade. Você observou isso?

Danilo - Eu observei e não é só aqui. Isso está ocorrendo em todas as cidades. Ocorre muito nos fins de semana e ocorreu nas férias. Vamos ter de manter um revezamento na secretaria para acompanhar isso nos fins de semanas. São pessoas de fora, não tem gente daqui e é reflexo da crise econômica. O que nos preocupa são as crianças. Já vimos caso em que estão usando crianças. Precisamos orientar para que chamem o Conselho Tutelar.




"A pessoa critica até sentir na pele. 
Quando a pessoa sente na pele entende que 
precisa haver esses programas sociais"


Viva! Serra Negra – Sua experiência em farmácia ajuda no trato com as pessoas?

Danilo – Com certeza. Trabalho desde os 16 anos atrás do balcão e estou com 38 anos. Agora é que saí.

Viva! Serra Negra – Qual é sua avaliação sobre a qualidade de vida e a empregabilidade em Serra Negra?

Danilo – A região é boa, mas vivemos mais de turismo, lojas e café.  Amparo tem mais indústria.

Viva! Serra Negra – Você vê disparidade econômico-social entre a periferia e o centro da cidade? Aqui há desigualdade social, como a que vem sendo apontada pelas pesquisas?

Danilo – A cidade é pequena, não há muitas diferenças. Esse problema de desigualdade tem sido um problema do país, não de Serra Negra. A pessoa melhora um pouco de vida, abre um comércio, mas o que a gente está vendo é um monte de ponto com placa de "aluga-se". Está voltando de novo. Antes estava tudo bem, o comércio estava indo bem, mas agora... o que está ocorrendo é resultado da crise econômica.

Viva! Serra Negra – Você tem feito abordagens para acolher moradores de rua. Como você faz essa abordagem e como é recebido por essas pessoas?

Danilo – Quando fez muito frio, revirei a cidade e não achei ninguém. Só encontrei uma pessoa, a qual foi oferecida ajuda. Ela me recebeu bem, perguntei se não estava precisando de algo e se não queria um lugar para dormir. Ela disse que não queria.

Viva! Serra Negra – Por que você acha que eles não querem?

Danilo – Estou pesquisando albergues na região para poder enviar as pessoas necessitadas daqui, mas esses lugares têm regras para comer, entrar, sair, e a maioria dessas pessoas, usuárias de álcool ou outra droga, não gosta de disciplina. Além disso, aqui não tem muito morador de rua. O pessoal que fica na praça, pelo menos 90% dessas pessoas, tem casa e família.

Viva! Serra Negra – Eles perturbam a ordem pública?

Danilo – Não perturbam, não são agressivos, não ameaçam ninguém. Por isso, pela lei não podemos fazer nada. São educados com todas as pessoas. Só não querem se submeter às regras. Nosso pessoal vai lá, faz um trabalho social, mas tem um ou outro que até vai em algum albergue. Tem um pastor aqui que diz que internou umas sete pessoas.

Viva! Serra Negra – Mas Serra Negra não tem casa para albergar essas pessoas?

Danilo – Não tem, nem nunca teve. A população também não quer que tenha, porque tem medo que venham pessoas de outras cidades. Se colocar albergue será um gasto desnecessário.

Viva! Serra Negra – Mas se alguém precisar de albergue, você tem onde levar?

Danilo – Tenho em Amparo. Estamos negociando lá para ter umas vagas para Serra Negra, em forma de convênio.

Viva! Serra Negra – A prefeitura está lançando uma campanha de combate ao abuso sexual infantil, como é esse projeto?

Danilo – Quando entrei aqui, o promotor fez uma reunião sobre esse tema. Explicou como deveria proceder quando registrássemos casos de abuso sexual contra crianças. Só que comecei a observar que havia um número grande de casos que vão parar no CREAS. Só que até a denúncia chegar até nós demora muito. Por isso resolvemos fazer uma campanha que será realizada nas escolas para orientar as crianças sobre o que é situação de abuso para que elas possam começar a falar.

Viva! Serra Negra – Os pais se preocupam tanto com ensino de sexualidade na escola, mas o problema de assédio está na família...

Danilo – Esse problema está na família. Tem casos que nos surpreende. Vamos tentar fazer com que esses casos venham à tona. Os pais vão receber bem esse projeto, porque as famílias têm medo e estão olhando com bons olhos essa campanha, porque a abordagem é para orientar a criança a se defender e denunciar.

Viva! Serra Negra – Até quando você acha que vai esse sufoco financeiro na assistência social e o que você vai fazer?

Danilo – Os especialistas dizem que se der tudo certo a partir de 2026 começa a melhorar. Temos de ser otimistas. A nossa estratégia vai ser tentar desbloquear as verbas. Tentar liberar o que já temos autorizado. Vou tentar falar com quem tem boa representatividade em Brasília. Aqui, está tudo certo burocraticamente e se não chega a verba é porque não estão liberando.

Viva! Serra Negra – A iniciativa privada não pode ajudar?

Danilo – Se isso se agravar, vão ter de ajudar, porque vai bater no setor privado.

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