//SAÚDE// Excluir sociedade pode afetar ações antidrogas

Secretária Teresa Cristina: "Não dá para ficar internando a torto e a direito"

Salete Silva

Especialistas e integrantes da sociedade civil, entre os quais médicos, psicólogos e juristas, não participam mais da formulação de políticas públicas de combate e prevenção às drogas.

A decisão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) contraria os programas e iniciativas realizados nos últimos anos nas áreas da saúde e desenvolvimento social de Serra Negra e demais municípios e Estados de todo país.

O ato divulgado pelo "Diário Oficial" da União, na segunda-feira, 22 de julho, reduz a participação da sociedade civil no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), restringindo-o basicamente a indicações do governo federal.

"Por tratar-se de uma doença multifatorial e que cujas consequências envolvem a sociedade em várias áreas, acredito que reduzir a participação da sociedade nas decisões sobre as políticas públicas sobre drogas não seja uma boa estratégia", disse a secretária de Saúde de Serra Negra, Teresa Cristina Cesar Fernandes, a TC.

Algumas iniciativas importantes no combate às drogas anunciadas pela prefeitura de Serra Negra envolvem a sociedade de forma geral, incluindo instituições como o Amor Exigente, uma Organização Não Governamental (ONG).

O Amor Exigente é parceira da Secretaria de Saúde no programa “Pé no chão”, destinado a familiares de usuários de álcool e outras drogas, que será ampliado para todas as unidades de saúde do município.

A parceria com a ONG foi iniciada há dois anos e meio, quando o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Serra Negra passou a atender a dependência química, responsabilidade que antes era do ambulatório de saúde mental.

“O Amor Exigente é um grupo de apoio estruturado que atua há nove anos em Serra Negra com bons resultados”, diz TC. Há dez meses, a ONG passou a atuar também no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). A ampliação da parceria vai permitir que o programa “Pé no Chão” se estenda às unidades de saúde do município.


Magalhães: falta família
A dependência química é multifatorial, explica o coordenador regional do Amor Exigente, Fábio Magalhães. Curiosidade, exemplo do álcool na família, predisposição genética e influência dos amigos são alguns dos fatores de risco.

“Mas pelo que observamos, ao longo dos anos, o principal fator é a família, infelizmente”, salienta. As famílias, ele observa, chegam ao programa desestruturadas. “Faltam comportamento de exemplo relacionados a valores morais e éticos, limites e autoridade de pai e mãe, além do uso excessivo de álcool por familiares”, salienta.

A restrição da participação da sociedade nas decisões públicas de combate ao uso de drogas não é a primeira mudança polêmica do governo Bolsonaro nessa área.  O governo federal sancionou em junho a Lei 13.840, que autoriza a internação compulsória de dependentes químicos, sem a necessidade de autorização judicial.

A internação involuntária deverá ser feita em unidades de saúde e hospitais gerais, com aval de um médico e prazo máximo de 90 dias.  Recentemente, essa lei foi mencionada por vereadores em sessão da Câmara Municipal de Serra Negra como medida facilitadora do encaminhamento dos dependentes químicos que se concentram nas proximidades da rodoviária e que podem incomodar moradores e turistas.

“Em alguns casos a lei pode ajudar, mas há controvérsias. Não dá para ficar internando a torto e direito as pessoas que têm direito de escolher”, afirmou TC. Segundo ela, a lei tem de ser usada de forma criteriosa. “É perigoso usar mal essa lei. Ela vem atender a uma necessidade, mas tem de ser criteriosa”, alertou.

A secretária reconhece a angústia de moradores, familiares e turistas que veem os dependentes químicos pelas ruas. “Então, é normal que algumas pessoas pensem assim: tiro do meu olho e não me angustio”, afirma.

Em alguns casos, admite a secretária, a lei é importante porque o dependente não tem condições de escolha. Ela lembra, no entanto, que a internação por 90 dias não é suficiente para o tratamento. “O que se faz depois dos 90 dias?”, interroga. A internação, segundo ela, pode ajudar no começo, mas o resto precisa ser feito.

Para Fábio Magalhães, a lei não é ruim. “Ela veio para impor uma condição para uma cabeça que já não consegue pensar por si só e não tem mais o apoio da família. Mas o prazo de internação de 90 dias, ele admite, não é suficiente para o tratamento. Esse período, explica, só dá para desintoxicar o cérebro, não o corpo.

O ideal, aponta, seria que as comunidades terapêuticas oferecessem um projeto de tratamento que se estendesse até nove meses. Nesse caso, ele defende a internação compulsória até o fim. “A partir de um determinado momento o compulsório deixa de existir e a própria pessoa começa a perceber a mudança dentro dela”, afirma.


Danilo: rondas
Serra Negra, segundo a secretária, não dispõe de comunidades para tratamento de dependentes químicos. De acordo com o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Danilo Andrade Guerreiro, cerca de oito dependentes químicos que permaneciam na Rodoviária foram encaminhados a uma comunidade de tratamento mantida por uma igreja evangélica.

“Eles foram convencidos pelo pastor Leo, que tem uma comunidade de tratamento em Itapira.” O secretário afirma, no entanto, que nem todos os dependentes concordam com a internação. “Alguns dizem que gostam da vida que levam e não querem deixar as ruas”, diz.

Em noites frias, com temperaturas bem baixas, Danilo informa que tem feito rondas pela cidade com o objetivo de acolher moradores de rua. Mas não encontrou nenhum até agora. Os secretários da Saúde e do Desenvolvimento Social concordam com Fábio Magalhães que a melhor saída é o trabalho preventivo nas escolas, com a inclusão da prevenção de drogas na grade escolar como tema, assim como já vem sendo feito com outros assuntos.

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