//CRÔNICA// A leitura do mundo serrano


Camila Formigoni

Sou professora, graduada em pedagogia, com especialização em psicopedagogia, e faço diversos cursos sempre que posso e quando a grana de professora me permite. Há alguns anos não era uma leitora, esse interesse foi aumentando quando me tornei professora e iniciei minha pós-graduação.

Comecei a gostar tanto de ler livros infantis para os alunos e sempre achei que eles trazem uma bagagem muito maior do que as simples histórias infantis cheias de desenhos bonitos. E sempre os lia para meus filhos, antes de dormir (assunto para outro texto).

Nessas férias de julho decidi que iria fazer as leituras que me dão prazer, e todas elas têm relação com a educação. Fiquei no meu quarto lendo e compartilhando com pessoas queridas sobre alguns assuntos. Ganhei até um livro de um amigo com uma dedicatória maravilhosa, terminei a leitura do presente em menos de uma semana.

Ontem, antes de dormir estava decidida que daria continuidade ao livro "À Sombra Desta Mangueira", de Paulo Freire, já que sou apaixonada pelo autor e sua filosofia. Mas pensei diferente, justamente pelo título do livro, me lembrei das cidades maiores onde as pessoas leem em lugares públicos e que aqui em Serra Negra havia presenciado raros momentos assim.

Decidi então fazer um tour pela cidade, caminhando. Já fui pensando em escolher a melhor árvore, com um bom encosto e com alguma grama para me sentar. E assim fiz! Cheguei até a Praça Sesquicentenário, próximo à biblioteca no Palácio Primavera e olhei para uma árvore. Falando sozinha, verbalizei: - É essa, está perfeita! 

Um senhor que passava por lá me olhou como quem pensa “acho que essa moça é doida”.

Ali me sentei com minha bolsa da Frida Kahlo, tirei de lá o livro, encostei na árvore. Que encosto! Era a árvore perfeita. Liguei um sonzinho no celular - sem fones - na música "Sobradinho", à la Luiz Gonzaga, iniciei minha leitura, fiquei por ali mais de uma hora, até encontrar uma pessoa querida com quem não conversava havia muito tempo e o papo acabou sendo uma extensão da leitura.

Qual foi o objetivo da leitura na praça, com um som que todos pudessem ouvir? O objetivo foi chamar a atenção, mesmo! Diversas pessoas passaram me olhando, uns pelo som, outro por estar sentada no chão e não no banco da praça. As pernas entrelaçadas, encostada na árvore.

O objetivo foi inspirar, para que mais pessoas possam fazer isso! O som dos carros e das pessoas não me atrapalhou e tive dezenas de conexões quando estava lendo, parecia que eu e o autor, o velhinho mais “gente fina” que já li, estávamos sentados embaixo daquela árvore – flamboyant - conversando, enquanto o mundo continuava girando. Não tinha como ver minhas expressões faciais, mas sei que dou risada sozinha quando leio, falo 
sozinha e levanto a sobrancelha esquerda quando estou pensativa e interessada em algo. 

Fiquei imaginando o quão mágico seria umas dez ou mais pessoas encostadas nas árvores da praça, cada uma lendo seu livro! É para despertar, para que as crianças saibam que não tem um lugar para a leitura e o pensar, qualquer lugar é lugar, embaixo de uma sombrinha gostosa então! Nossa! Acho que foi um momento de um dos meus ápices de felicidade! Deixo a proposta! Vamos ler embaixo “dessas mangueiras”? Grupos de leitura, nada mais, em um domingo à tarde.

Em mais de uma hora - não cronometrei meu tempo, pois estava tão bom que esqueci dele - fiz a leitura de um mundo serrano, não somente tive uma conexão com o autor. As pessoas se espantam quando alguém senta embaixo de uma árvore, em uma praça, para ler com uma musiquinha legal. Isso é bem preocupante, fiquei bem pensativa com o livro e a situação vivenciada.

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