//COMÉRCIO// "Serra Negra deveria manter identidade"

Serra Negra enfrenta os mesmos problemas de outros grandes centros de comércio

Jornalista com mais de 30 anos de experiência nos principais jornais do país, como  "Gazeta Mercantil", "Folha de S. Paulo" e "Diário do Comércio On-Line", especializada em economia e negócios, Fátima Fernandes conhece Serra Negra desde a década de 70 do século passado, quando, ainda criança, vinha à cidade com seus pais. 

Sua última visita ocorreu neste feriado de 9 de julho, quando Serra Negra esteve lotada de turistas. E foi nesse ambiente que ela conversou com o Viva! Serra Negra sobre um tema que a apaixona, o varejo, e para o qual tem dedicado muita atenção, ao ponto de manter um site especializado nele, o Varejo em Dia

Na entrevista, Fátima, entre outras sugestões, diz que os comerciantes locais deveriam vender mais produtos diferenciados, que não são encontrados em outros grandes centros de comércio, treinar melhor os atendentes e estender o horário de funcionamento das lojas, pelo menos nos dias de maior movimento. E passar a utilizar com mais frequência as redes sociais.

A seguir, a íntegra da entrevista:



Viva! Serra Negra - Quais são os pontos fortes e os pontos críticos do comércio de Serra Negra?
Fátima Fernandes (foto ao lado) - Conheço o comércio de Serra Negra desde a década de 70, quando era criança, e viajava com meus pais para apreciar as paisagens e o comércio da cidade, que fica próxima de Jundiaí, onde nasci. Na época, e durante décadas, a produção de artigos de couro, como sapatos, bolsas e jaquetas, e de tricô era um dos pontos fortes da cidade. Fazer compras em Serra Negra era trazer para casa algo exclusivo da cidade, com boa qualidade e preço acessível. Ainda me lembro de uma bolsa de camurça vermelha, com franjas, que minha mãe comprou na cidade, e fez o maior sucesso com as amigas da escola. Imagino que, por conta de várias crises que o país enfrentou, especialmente a última, iniciada em 2014, ficou mais difícil para os empresários manter as fábricas e as lojas. E isso não acontece apenas em Serra Negra, mas em todos os polos de confecção e outros produtos espalhados pelo país. O aumento da oferta de produtos chineses no Brasil, ao mesmo tempo, acabou tornando mais fácil e mais barato manter o negócio.

Viva! Serra Negra - E como fazer para resolver essa equação?
Fátima Fernandes - Como consumidora e como jornalista que já ouviu dezenas de consultores em varejo, um dos problemas que o comércio de Serra Negra e de outros polos enfrenta é a falta de identidade de produtos. No fim de semana de 6 e 7 julho, próximo do feriado de 9 de julho, as lojas de Serra Negra estavam lotadas. Diferentemente do que ocorria no passado, muitas delas vendiam os mesmos produtos, adquiridos, em boa parte, em lojas de atacado do Brás e do Bom Retiro, em São Paulo. As lojas que mais interessavam aos compradores, pelo que pude notar, eram exatamente aquelas que ainda restam com produção própria na região. Uma loja de malhas de tricô para homens, com confecção na cidade de Socorro, por exemplo, estava lotada no sábado e no domingo. Uma das vendedoras me disse que a venda estava boa sim, mas que a loja precisava vender mais, porque as peças estavam em liquidação. Isto é, era preciso vender mais volume do que um fim de semana bom de vendas para ter o mesmo faturamento com preço cheio. Também não tinha do que reclamar a gerente de uma loja que produz as próprias bolsas de couro, e com qualidade. O comércio de Serra Negra tem tradição e entendo que manter a identidade é um desafio, com a queda de poder aquisitivo e elevado desemprego no país. Mas, ainda assim, acredito que este é o caminho para que o turista saia de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro para visitar Serra Negra e fique entusiasmado para voltar.

Viva! Serra Negra - Resumindo...
Fátima Fernandes - Os pontos fortes do comércio de Serra Negra, a meu ver, são: cidade conhecida por reunir lojas de artigos de couro e malharias, bons hotéis, turismo bem estruturado, com passeios e bons eventos, como os shows na praça, em época de férias e feriados. E entre os os pontos críticos, destaco perda de identidade na oferta de produtos, vendedores sem treinamento para atender bem os clientes, e horário de funcionamento - em época de maior visita, o comércio deveria ficar aberto até às 10 horas da noite, não fechar às 18 horas.

Viva! Serra Negra - Diversificar os produtos pode ser bom para os lojistas?
Fátima Fernandes - A diversificação de produtos pode ser uma boa alternativa para o lojista, desde que não perca a identidade do negócio. Entendo que uma loja especializada em bolsas de couro, por exemplo, pode entrar na linha de sapatos e até jaquetas, se estiver bem estruturada e em condições de manter a mesma qualidade que conquistou o cliente durante anos. Lançar um produto apenas para mostrar que tem uma gama maior de artigos pode não ser o melhor caminho para aumentar o faturamento.

Viva! Serra Negra - E a crise, afetou muito o ramo de confecção? 
Fátima Fernandes - Todos os polos de confecção espalhados pelo país, não apenas o de Serra Negra, sofreram com as crises, especialmente esta última que o país ainda enfrenta.
Na região do Bom Retiro, em São Paulo, por exemplo, as centenas de ônibus que costumavam chegar, diariamente, com lojistas de todo o país, especialmente em época de troca de coleções, agora são dezenas ou dá para contar nos dedos. Na Rua José Paulino sempre foi muito difícil achar um imóvel disponível para locação durante décadas. Hoje, já é fácil encontrar um imóvel, e por preços até 50% menores do que há quatro anos. Alguns donos de imóveis já nem cobram mais luvas para a locação. Essa situação revela muito bem a situação dos polos de confecção em todo o país. Com queda de faturamento, fica bem mais difícil pagar aluguel, manter o estoque e funcionários. Aliás, o caminho mais fácil para enfrentar a crise do comércio tem sido a redução no quadro de funcionários. Pelo que li e ouvi de consultores, nem sempre este é o melhor caminho. Um vendedor bem treinado pode ajudar o dono da loja a faturar mais mesmo na crise. Essa é uma época em que a criatividade e a boa gestão dos negócios fazem a diferença em relação à concorrência.

Viva! Serra Negra - Há outros caminhos para o lojista enfrentar a crise?
Fátima Fernandes - A venda pela internet e o uso de redes sociais têm ajudado muitos lojistas de São Paulo a enfrentar a crise. Diariamente, eles enviam looks de produtos para o WhatsApp de clientes ou utilizam o Instagram para divulgar as novas peças. Pelo que ouvi recentemente de lojistas da região do Bom Retiro, essas práticas têm ajudado cada vez mais a reforçar o caixa. Se o cliente não vai até a loja, o lojista tem de chegar até o consumidor de alguma forma. É preciso ter cuidado também para não saturar o consumidor de mensagens.

Viva! Serra Negra - Muitos serranos reclamam dos preços dos produtos vendidos no comércio local...
Fátima Fernandes - É comum você escutar de moradores de cidades turísticas que pagam mais caro pelos produtos, justamente porque o foco das lojas locais são os consumidores de fora. Em Monte Verde, Minas Gerais, já ouvi muito essa reclamação de moradores. Neste caso, o que pode ser feito é uma conversa entre os lojistas da cidade para venda de produtos em locais exclusivos para moradores, onde os turistas não frequentam. Em Serra Negra, por exemplo, as confecções poderiam criar esses locais em espécie de outlets ou em lojas nas próprias fábricas. É claro que se o turista descobre, ele também vai correr atrás, mas fica claro que os empresários pensam também em atender bem os moradores, não somente os turistas.

Comentários

  1. Uma ótima análise, que deveria ser ouvida pelo comércio local. Em especial, no que se refere à perda da identidade. Ninguém vai vir a Serra Negra comprar produtos que estão disponíveis nos varejões ou shoppings de suas cidades de origem. Identidade e diferenciação são, portanto, fundamentais.

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