//CRÔNICA// O inverno e o frio da esperança


Carlos Motta

Um comerciante local, encapotado, mas todo sorrisos, me disse que Serra Negra não precisa de políticos nem de prefeito nem de outra coisa que não seja o frio. No domingo, 9 de junho, o sol brilhou o dia todo na cidade, mas não foi capaz de fazer a multidão de turistas que encheu as ruas centrais tirar seus agasalhos.

Bendito frio, todos exclamaram!

O problema de Serra Negra é que o frio é inconstante. 

Tem anos em que ele é suave, uma brisinha de fim de tarde, um quase nada desalentador. E mesmo quando surge pontual e imponente, como agora, todos sabem que ele é efêmero, dura uns três meses, no máximo. 

E depois que ele vai embora...

Depois, a cidade deixa de ser uma ilha e volta a fazer parte do Brasil, este Brasil que passa por um dos mais tristes momentos de sua história, dividido, desempregado, achincalhado, desesperançado, uma tristeza só.

O frio talvez possa fazer o serrano esquecer que faz parte dessa realidade. Mas mesmo nele, é impossível que o cidadão medianamente informado não se dê conta do que ocorre além das montanhas. 

Dificilmente ele vai deixar de saber, por exemplo, do megaescândalo do Morogate, essa indecorosa trama que a Justiça e o Ministério Público urdiram para inviabilizar, via prisão, a candidatura favoritíssima do ex-presidente Lula ao cargo máximo do Executivo do país. 

Pois é, tudo faz crer que o Morogate veio para ficar - e  vai abalar ainda mais a confiança - se é que existia alguma - dos empresários na recuperação econômica do Brasil.

A previsão do tal mercado para o crescimento do PIB, o Produto Interno Bruto, soma das riquezas que o país produz, deste ano, por exemplo, está se tornando cada vez mais pessimista. A última edição do Boletim Focus, do Banco Central, que mede essas expectativas, indica que será de pífio 1%.

Investimento externo, então, esqueçam - nem os mais gananciosos fundos abutres terão coragem de sobrevoar este país amaldiçoado pela praga morobolsonariana.

O conto do vigário da reforma da Previdência, a solução milagrosa para todos os males do Brasil, não engana mais ninguém.

A solução para a crise mais profunda que esta República já viveu é evidente: um grande pacto entre as forças políticas, empresariais, dos movimentos sociais e dos trabalhadores, que inclua a anulação da Lava Jato, a revogação das condenações de Lula e a convocação de nova eleição presidencial, já que esta última não passou de uma gigantesca farsa.

Mas é muito difícil que isso ocorra. O Brasil vive os primórdios do capitalismo. Aqui, as relações sociais e de trabalho ainda são selvagens. O país é meio civilizado, o povo está mais para a fé do que para a ciência, a palavra do pastor da igreja da esquina vale mais que o livro de história escrito pelo acadêmico. E há ainda os que juram que a Terra é plana!

Tudo isso faz a gente lastimar que o Brasil seja tão grande e que esse gigantismo não permita que o frio desta Serra Negra aqueça as esperanças de todos. Nem que seja só por alguns meses, alguns fins de semana, algumas voltas de trenzinho pelas estreitas ruas da cidade.

Comentários

  1. Sem pôr, nem tirar! Escorreito! Perfeito! PARABÉNS!

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  2. CARLOS ALBERTO SALOMÃO10 de junho de 2019 às 13:59

    Em se tratando de Serra Negra uma frase da música de Jorge Ben resume: "Moro, em um país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza".

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