//ESPORTE// As lições de vida do karatê serrano

A associação tem cerca de 50 alunos. Não cobra taxa de inscrição nem mensalidade

Carlos Motta

Nove medalhas de ouro, dez de prata e oito de bronze. Esse foi o resultado da participação da equipe de Serra Negra, representada pela Associação Serrana de Karatê, no Zonal Sul Sudeste de Karatê Interestilos, disputado sábado e domingo, 4 e 5 de maio, no Ginásio Antônio Baldusco, em Itapecerica da Serra. Nada mal para uma academia que luta com dificuldade para se manter, apesar de sua importância na formação esportiva e moral dos jovens da cidade.

A associação funciona como uma ONG, não cobra mensalidade nem taxa de inscrição. Alguns pais de alunos, poucos, contribuem com o que podem. Mesmo assim, o faixa-preta Giovane Pinheiro, seu fundador, professor e responsável pelo sua manutenção desde o longínquo ano de 1995, não desiste. Afinal, o karatê é parte indissolúvel de sua vida.

- Sou mineiro, nasci em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Era fascinado pelo karatê, ia todo dia na academia da cidade, mas não tinha como pagar as aulas. Isso até que o professor de lá me chamou para treinar de graça. Fui um dos seus alunos mais dedicados e fiquei tão agradecido a ele que prometi, quando tivesse condições, ensinar o karatê para outros, da mesma forma que comecei, sem cobrar nada.


Giovani: karatê é disciplinador
Giovani veio para Serra Negra com 13 anos de idade para passar férias em casa de parentes. Gostou tanto daqui que acabou ficando. Arranjou trabalho, entrou numa academia de karatê local e foi se aprimorando. Teve aulas em várias cidades - Santos, Monte Sião, Socorro, Três Corações, enumera. Nessa última, conseguiu a sua faixa preta, em 1994. 

No ano seguinte, fundou a Associação Serrana de Karatê que, segundo ele, viveu seus melhores dias nas duas administrações do prefeito Paulo Scachetti, morto em fevereiro deste ano:

- Tínhamos um convênio com a prefeitura, que pagava professores e transporte dos alunos. Dávamos aula para 1.500 crianças, em escolas de vários bairros. Foram oito anos maravilhosos, o karatê de Sera Negra estava no auge. 

Os dias de glória se acabaram com o fim da administração de Paulo Scachetti. O prefeito seguinte, Antônio Luigi Ítalo Franchi, o Bimbo, não renovou o convênio com a associação. Agora, diz Giovani, a prefeitura dá uma pequena ajuda, providenciando o transporte da equipe para as competições.


Aulas são às 2ªs, 4ªs e 6ªs-feiras
As aulas na associação são às segundas, quartas e sextas-feiras à noite. O salão, nos fundos de um imóvel na Rua Ramiro T. Primo, em frente do Supermercado Dia, recebe não só os cerca de 50 alunos da academia, mas muitos pais, que parecem já ter se acostumado com o jeito "durão" e perfeccionista de Giovani.

- O karatê é muito disciplinador - diz. Recebo muitas crianças hiperativas, com déficit de atenção, que são enviadas por psicólogos amigos meus. Também algumas com algum tipo de deficiência física. E todas elas se dão bem, porque fazem parte de um grupo que não diferencia um do outro.

Ser disciplinador com as crianças é uma característica que dá orgulho a Giovani. Ele diz que sempre foi assim e que fica contente quando um ex-aluno o cumprimenta na cidade:

- Todo mundo aqui me conhece, sabe do meu jeito, e muitos me agradecem por ter sido rígido com eles nas aulas. Meu objetivo aqui, além de ensinar o karatê, é dar um rumo a essas crianças, é complementar a educação que recebem em casa. 

Giovani lembra que o karatê de Serra Negra já foi um dos melhores do país. E para que volte a ser, acredita, é preciso não só que o Poder Público ajude mais intensamente, mas que os empresários também participem, patrocinando atletas. 

- O pessoal tem muito gasto, a maioria das competições é paga, os pais ajudam como podem, mas não é fácil para eles.

Giovani é guarda municipal, mas está afastado por causa de uma cirurgia que fez no quadril - "coisas do karatê", explica. Tem uma empresa de segurança, que, diz, já viveu dias melhores, mas é por meio dela que consegue pagar parte do aluguel do imóvel onde dá suas aulas - a despesa é dividida com a academia de jiu-jitsu que também funciona ali.

Enquanto conversa com a reportagem, ele vê entrar no salão os alunos da segunda turma, que têm aula a partir das 20h20. São mais experientes que os da primeira turma. E são motivo de orgulho para Giovani:

- Essa turma nossa aqui é muito boa, eles estão sempre competindo, fazem parte do ranking da federação paulista, estão em 1º ou 2º lugar em suas categorias, promovem o nome da cidade em cada torneio de que participam. Acho que eles merecem ter mais apoio.

A competição do fim de semana em Itapecerica da Serra reuniu cerca de 900 atletas de oito Estados do Sul e Sudeste do país. As medalhas que a equipe da Associação Serrana de Karatê ganhou deixaram Giovani feliz. Mas ele quer mais:

- No fim do ano haverá o campeonato brasileiro. Aí é que vamos ver como está o karatê de Serra Negra.

Comentários