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Silvia Fontes: aposta no café orgânico especial |
Salete Silva
O Brasil, maior produtor mundial de café, vem sofrendo com a queda contínua dos mercados futuros de café arábica na Bolsa de Nova York (ICE Futures US), o que levou os preços da commodity para níveis abaixo do custo de produção.
Cafeicultores de Serra Negra – principal atividade agrícola do município – sentem em seus negócios o impacto do cenário internacional, agravado pelo custo da mão de obra que encarece a colheita em uma região em que a mecanização é dificultada pela topografia montanhosa.
Nestes momentos de crise a atenção do setor se volta para alternativas que poderiam ser o caminho não só para cafeicultores de Serra Negra, mas para o agronegócio de forma geral. Quem aposta em produtos orgânicos, por exemplo, pode agregar valor ao produto.
A única produtora de café orgânico especial no município, a química Silvia Fontes diz que recebe entre R$ 250 e R$ 300 a mais pelo valor da saca do orgânico em relação ao convencional. “Até em relação ao café de combate, ou seja, de bebida dura, meu café de bebida dura, que não é especial, também é mais valorizado do que o de bebida dura convencional”, compara.
A valorização do produto, ela salienta, tem vindo do consumidor que procura por um café de melhor qualidade. Ela diz que mesmo em épocas de crise seu café tem demanda em diversos países, como Estados Unidos e Japão.
Silvia, no entanto, reconhece a dificuldade de introduzir a técnica orgânica de uma vez em grandes propriedades e de estimular o consumo imediato de produtos orgânicos no mercado interno porque não haverá oferta para um aumento repentino de hábitos e de demanda.
A tecnologia orgânica pode ser aplicada em produção de maior escala, ela diz, mas a mudança tem de ser feita por partes. Pequena produtora, com 16 mil pés e produção de cerca de 120 sacas por safra, a cafeicultora percorreu um bom caminho até chegar à certificação orgânica e reconhecimento de seu café especial.
Em sua propriedade, adquirida em 1995, localizada no bairro dos Leais, quase na fronteira com os municípios de Amparo e Itapira - ladeada pelos eucaliptos da companhia Suzano Paper Celulose - Silvia já cultivou tomate, pepino, legumes em geral, em estufa e em céu aberto. Isso depois de ter desistido da produção de pintos para abate, projeto desenhado por volta de 2014, quando pensava na aposentadoria.
Os planos mudaram quando a cafeicultora conheceu André Dorta, que se tornou seu parceiro agrícola. “Conhecemos o André, que veio jovem para cá, recém-casado, com muita ambição e que fez nossas primeiras mudas de café”, recorda. Em 2016, quando se aposentou, deixou o cargo numa indústria química em São Paulo e se mudou para Serra Negra, Silvia substituiu de uma vez as estufas de legumes, que começavam a dar prejuízo pelos cafezais.
Muita água garante irrigação 100% |
Depois de conhecer um grupo de mulheres cafeicultoras, uma delas Ellen Fontana, de Socorro, premiada em 2014, Silvia descobriu o café especial e se engajou em cursos para levar seu produto a essa categoria. “Minha área como química é a qualidade”, destaca a produtora, que trocou cinco sacas de café pela primeira consultoria, assim como o restante do grupo de produtores serranos. “O consultor aceitou a troca porque acreditava na nossa vontade de ter um café especial.”
Silvia topou com uma situação geográfica desfavorável. Sua propriedade, a 680 metros de altitude, estava muito abaixo dos terrenos dos melhores produtores de café da região, que se situam entre 1.100 e 1.200 metros acima do nível do mar, com o clima que propicia melhor qualidade do café com menos investimentos.
“O clima é muito diferente do meu, onde a insolação é maior. Com sol o dia inteiro e café com alta temperatura, preciso de irrigação 100%, que na montanha o cafeicultor não vai ter”, explica. “Tive de usar tecnologia para ter sucesso. Os outros já são sucesso por estarem na altitude que estão”, compara.
Sua propriedade tem abundância de água, que permitiu irrigação por gotejo – econômica e ecológica. Em 2016, depois da colheita e o contato com a Associação de Cafés Orgânicos e Sustentável do Brasil (ACOB), Silvia decidiu agregar mais valor e aderir à cultura orgânica. Mas não foi só o lado financeiro que pesou na decisão. Foi também o lado humano, saudável e de preservação ambiental.
“A casa do André fica só a 50 metros do pé de café, as filhas dele recebem o cheiro, o produto vai parar na roupa que está no varal, a preocupação é com a saúde da família que está aqui”, relata. “Se não quero comer veneno, não quero dar veneno para ninguém”, complementa.
Marca própria incrementa o negócio |
Essa filosofia sempre norteou seu trabalho. “Sempre fomos pelo mais saudável. Se o engenheiro mandava usar dois litros, eu usava um só”, afirma. Ser mais saudável, ela ensina, é pensar na saúde do trabalhador diretamente e na da gente que mora perto da plantação. Ela lembrou que nem o uso de equipamentos de segurança evita a contaminação. “Não adianta a pessoa que vai aplicar estar equipada, o vento leva o herbicida e ninguém percebe”, argumenta.
Seu negócio está sendo incrementado com a marca Café dos Leais e a estruturação do sítio para o turismo rural. Silvia admite que o governo está indo na contramão nessa área. O governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), na sua opinião, está fazendo mudanças necessárias, mas a falta de conhecimento sobre os orgânicos, ela opina, causa erros de interpretação, principalmente de políticos que não estão voltados diretamente para a agricultura. “A gente sabe que tem peso forte dos grandes investidores, das multinacionais, que eles acabam impondo a vontade deles por uma questão econômica, que eles fazem pressão sobre o governo”, avalia.
O mais difícil, no entanto, ela afirma, é a mudança cultural das pessoas. “Difícil fazer as pessoas acreditarem que o orgânico vai ser melhor e não vai ter uma surpresa negativa”. Mas ela diz acreditar numa mudança. “Acredito que as pessoas, na evolução humana, vão por um caminho da verdade. Só o fato de as estatísticas mostrarem que a busca pelo orgânico está aumentando ano a ano, não só no Brasil, mas no mundo, com a evolução das pessoas a tendência é que compreendam isso”, conclui.
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