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Maria Fernanda: “Estamos pagando um preço muito alto pela negação da ciência" |
Salete Silva
“Sábado de sol e eu soube que tomei placebo! Em 5 min recebi a primeira dose! Então agora sou de maior e vacinada! Bun bun tan tan!”.
Foi assim que a farmacêutica serrana Maria Fernanda Salomão comemorou no Facebook sua primeira dose da CoronaVac, vacina que ela ajudou a desenvolver, participando como voluntária da 3ª etapa do trabalho de pesquisa da Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.
Professora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e da Universidade Santo Amaro, Fernanda acompanha alunos nos programas de estágio nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nas clínicas de atendimento aos pacientes com sintomas de covid-19. Ela se interessou de imediato pelo chamado do Hospital Emílio Ribas em dezembro de 2020.
“Estavam recrutando profissionais da área da saúde que tivessem atendendo pacientes com covid-19. Precisavam de um número suficiente para realizar todas as análises e poder fazer o pedido emergencial da vacina”, relata Fernanda. “Isso me sensibilizou muito, marquei uma entrevista e me voluntariei.”
A farmacêutica, que na terceira etapa da pesquisa participou do grupo dos pacientes que receberam placebo, revela a emoção de participar da pesquisa de desenvolvimento de uma das vacinas que vão ajudar a tirar o mundo da maior pandemia do século: “É um sentimento de dever cumprido como profissional da saúde, fiquei emocionada várias vezes e ainda me emociono quando falo. É uma satisfação.”
Em entrevista ao Viva! Serra Negra, Maria Fernanda desmitifica a vacinação bombardeada por mentiras e fake news, como a disseminada por um líder religioso que espalhou que um dos imunizantes contra o covid-19 estava sendo produzido com embriões. A farmacêutica rebate também os questionamentos em relação à rapidez do desenvolvimento e aprovação das vacinas.
“Essa rapidez foi alcançada devido à cooperação internacional das universidades, o quanto as empresas estavam dispostas à produção pela emergência. Hoje em dia, a gente consegue identificar o material genético do vírus muito mais rápido por meio da biologia molecular e isso facilita muito”, explica.
Maria Fernanda criticou a politização da vacina e o negacionismo, em especial por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do governo federal. “Estamos pagando um preço muito alto pela negação da ciência. Não investir no desenvolvimento da vacina foi uma negação da ciência e outras ingerências da pandemia veio com a negação”, analisa.
Maria Fernanda explica que países que investiram em pesquisas de desenvolvimento estão tendo prioridade no recebimento das vacinas. “Como o Brasil não fez esses acordos, a não ser com a Oxford e a Sinovac, estamos reféns porque poderíamos ter a Pfizer, como disponibilização, a Moderna, a Janssen, enfim teríamos outras disponibilidades de vacinas e não apenas as duas que foram aprovadas”, observa.
A farmacêutica lembra que a maior oferta e variedade de vacinas seria uma estratégia de enfrentamento da pandemia fundamental para um país de dimensão continental como o Brasil, uma vez que não há um único laboratório capaz de produzir quantidade suficiente para atender a uma grande população como a brasileira, com mais de 200 milhões de habitantes.
Foi um equívoco de enfrentamento do Ministério da Saúde, junto com o governo federal, na sua avaliação, de apostar no desenvolvimento de vacinas sob a condição da liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. (Anvisa) “Não estou falando da aplicação, que tem de vir com o aval da Anvisa. Mas no investimento financeiro para o desenvolvimento da pesquisa”, explicou.
A professora, que se mantém em afastamento social, manda um recado para a população de Serra Negra, cidade em que nasceu e onde ainda residem seus familiares, muitos dos quais pertencentes ao grupo de risco, como sua avó, a centenária dona Aurora Duzzi, 103 anos, conhecida e querida dos serranos.
“Nesta pandemia tivemos tanta ingerência, negacionismo, falas inverídicas, enfim, pelo pano de fundo da guerra política, da negação da ciência, então quero agradecer muito a oportunidade de falar da minha experiência, como profissional da saúde, temos um papel informativo. Serra Negra não se conscientizou, vemos muitas pessoas sem máscaras, fazendo aglomeração, festa”, afirmou.
A professora aponta a vacina como a única saída. Não há tratamento precoce, ela salienta, por meio de medicamentos. “Temos de sair desta e não há outra saída senão a vacinação, seja ela qual for, para a economia da cidade voltar a ter uma certa normalidade, não vejo outra alternativa que não as vacinas". Ainda assim, segundo ela, não será possível tirar as máscaras tão rapidamente.
A farmacêutica acompanha diariamente o boletim de covid-19 publicado pela Prefeitura de Serra Negra, destacando que o número de suspeitos não para de crescer, o que significa que a pandemia continua se agravando. “O serrano de forma geral tem de se conscientizar do uso de máscara, evitar aglomeração, não acreditar que vai se encontrar com alguém, um amigo, confiando que ele se cuida”, afirmou.
Maria Fernanda destacou ainda a importância de o governo oferecer condições financeiras para que a população, que paga uma infinidade de impostos, possa fazer o afastamento social. “Se tem de ficar em casa teríamos de ser assistido para ficar em casa e não jogar a população na sorte”, afirmou. “Espero que essa politização, esse cenário político que só divide Serra Negra diminua porque é muito ruim para o gerenciamento da pandemia”, finalizou.
A seguir os principais trechos da entrevista:
Voluntariado
Sou professora universitária e farmacêutica. Uma das minhas atribuições é levar os alunos para o campo de estágio: hospitais, UBSs (Unidades Básicas de Saúde), clínicas que oferecem atendimento aos pacientes. Muitas vezes, atendemos pessoas com suspeita de covid. No comecinho de dezembro, houve um chamado do Instituto Emílio Ribas, que precisava de profissionais de linha de frente da saúde que tivessem atendendo pacientes com covid-19. Os pesquisadores precisavam de um número suficiente para conseguir realizar todas as análises e fazer o pedido emergencial da vacina. Isso me sensibilizou muito. Por meio de um grupo de WhatsApp, soube dessa urgência e marquei uma entrevista e me voluntariei. Nessa entrevista, fazem várias perguntas para saber se realmente você pode entrar no estudo. Eles são bem rigorosos. Mulheres grávidas, por exemplo, não podem ser voluntárias. Fiz várias vezes testes de gravidez, além de que são muito rigorosos em relação às análises de sangue e a doenças crônicas. Fui aprovada como voluntária e com isso ingressei.
Emoção
O sentimento é de dever cumprido. Sou da área da saúde e fiquei muito honrada, muito emocionada de participar e ajudar para tentar sair dessa pandemia e contribuir para que a vacina fosse aprovada e os estudos provassem sua eficácia. Fiquei emocionada várias vezes e ainda me emociono quando falo. É uma satisfação. Um dos motivos pelos quais participei foi por essa contribuição. Para conseguir a aprovação emergencial o mais rapidamente possível.
Resistência à vacinação
Há vários fatores à resistência da vacinação. Na verdade, não é de hoje. Há um movimento antivacinas, infelizmente, mundialmente que leva à não utilização das vacinas em virtude das fake news, como a de que provoca autismo, contém mercúrio, faz mal para a saúde. Infelizmente, anteriormente à covid, já estávamos assistindo a volta do sarampo e de doenças já erradicadas. Devido a esse movimento antivacinas, criamos uma certa resistência e diminuição dos índices de vacinação, que está se refletindo agora na pandemia.
Politização
Outro fator que temos de considerar é que a gente teve uma incúria do governo do Estado, do governo federal. A gente não teve direção única. Houve politização da vacina, infelizmente. Nunca perguntamos a origem de nenhuma vacina que a gente tenha tomado. Na atual fase de vacinação, estamos imunizando o grupo prioritário, vacinando o profissional de saúde, que tem consciência maior em relação à vacina. Mas quando a vacinação chegar à população em geral é que vamos perceber maior resistência. O agravamento da pandemia, o número de mortes em alta, os conhecidos que vieram a falecer, no entanto, pode ser que quebre um pouco a resistência, além do sonho de voltar a ter uma vida um pouco mais normal do que a gente está vivendo.
Rapidez na produção
Um outro fator de resistência é que foi veiculado que a vacina foi produzida muito rápido. Na verdade, essa rapidez foi alcançada devido à cooperação internacional das universidades, o quanto as empresas estavam dispostas à produção pela emergência. Hoje em dia, a gente consegue identificar o material genético do vírus muito mais rápido por meio da biologia molecular e isso facilita muito. A Fiocruz teve um papel fundamental nisso. É importante a gente valorizar a pesquisa brasileira também. Além dessa cooperação, desse avanço científico, isso não é inédito. No aparecimento do H1N1 em 2009, no outro ano, em 2010, já tínhamos a vacina também. Como naquela época, não havia politização e dimensão foi menor do que o do covid-19, ninguém questionava o tempo do desenvolvimento. Não é inédito a vacina ser desenvolvida em tão pouco tempo. É pela urgência e cooperação internacional.
CoronaVac
A CoronaVac é um imunizante de vírus inativo, vírus sarcov2, que é inativado por meio de uma substância química. O vírus quando aplicado com a vacina não provoca a doença. Pode ter reações adversas como dor no local da aplicação, dor de cabeça, uma febre baixa, como qualquer outra vacina. Tomei sábado (23 de janeiro) a primeira dose e a aplicação doeu menos do que a de gripe. O que tem em comparação à vacina de gripe e H1N1, é que a gente ainda precisa de estudos sobre isso, sobre como será feito. O que tem é que a vacina do covid-19 vai se transformar como vacina da gripe H1N1 que precisa tomar todos os anos, porque o vírus pode provocar mutação e pode provocar alterações significativas que podem provocar a doença e impedir a imunização. Mas isso ainda não dá para afirmar. Precisa de mais pesquisa sobre quanto tempo é preciso reforçar a vacina.
Escassez de vacinas
É natural que devido à demanda, à urgência que o planeta Terra precisa ser vacinado em grande escala, em massa, que as ofertas sejam pequenas, a conta não fecha entre o tempo de produção e a demanda. O país errou ao ter apostado que só compraria vacinas a partir do aval da Anvisa, só quando ela fosse aprovada para uso emergencial ou tivesse um registro. Os laboratórios farmacêuticos pediram acordo, contrato de colaboração, para desenvolvimento das vacinas. Países que investiram nesse desenvolvimento têm prioridade para o recebimento da vacina. Como o Brasil não fez esses acordos, a não ser com a Oxford e a Sinovac, estamos reféns, porque poderíamos ter a Pfizer, a Moderna, a Janssen, enfim teríamos outras disponibilidades de vacinas e não apenas as duas que foram aprovadas. A diversificação de acordos, pelo tamanho do nosso país, deveria ter sido primordial no enfrentamento da pandemia, porque um laboratório, uma empresa, neste momento não tem capacidade para mandar, para produzir, para o nosso país continental. Não estou falando da aplicação, que tem de vir com o aval da Anvisa. Mas no investimento financeiro para o desenvolvimento. Estamos pagando um preço muito alto pela negação da ciência. Não investir no desenvolvimento da vacina foi uma negação da ciência e outras ingerências da pandemia vieram com a negação.
Vacinação
No segundo semestre começa a normalizar essa vacinação. Não tem como ter uma previsão muito assertiva, porque dependemos do mercado internacional. Infelizmente, o que vai vir para o futuro não dá para saber. Mas tende a melhorar, a ser um pouco mais rápido. Felizmente, dentro do SUS temos uma rede de vacinação muito bem desenhada. Se tivéssemos a quantidade necessária, teríamos uma grande facilidade de vacinação. O gargalo na oferta tem ocorrido também porque cada vez mais os grupos prioritários estão sendo inflados, até por uma questão de politicagem. Colocam como prioridade alguns grupos que não seriam prioritários. E isso acaba atrasando mais a vacinação do idoso, as pessoas com comorbidades, pessoas que necessitam da vacina, fora o fura fila, que é um crime para a saúde pública.
Produção própria
O infa (ingrediente farmacêutico ativo) da CoronaVac, proveniente da China, é diluído no Instituto Butantan e envasado para depois ser aplicado. O Brasil depende de sua importação, o que implica boas relações diplomáticas, da demanda. Até o segundo semestre, dependeremos dessa importação. Em agosto, a ampliação da planta do Butantã de fabricação e desenvolvimento de vacinas deverá estar concluída e a produção do infa vai ser nacional. Acredito que com essa produção local não estaremos mais tão dependentes da importação e com isso teremos maior autonomia e produção para atender à demanda. A Fiocruz também terá capacidade de produção do infa, o que contribuirá muito para a produção das vacinas. O processo de vacinação tende a se regularizar quando o país passar a produzir infa tanto no Butantan como na Fiocruz. Teremos uma quantidade mais expressiva de vacinas. Minha pergunta é por que essas plantas não foram elaboradas em um plano com mais urgências, para que pudéssemos transferir essa tecnologia para cá. É uma incógnita.
Fake news
Há várias fake news sobre as vacinas. Temos a ideia de que as pessoas podem mudar de cor, que vai alterar o DNA, que será injetado um chip, entre outras. Mas o que mais me chamou a atenção foi a de que não deveriam tomar a CoronaVac porque contém embriões e que os embriões seriam mortos para a fabricação da CoronaVac. Essa me chamou a atenção porque foi veiculada por um líder religioso, enfim, e isso acaba sendo um desserviço para a população. As fake news, em especial em relação aos efeitos colaterais, ganham força porque o Brasil é um país que se automedica. É possível ter uma reação diversa por um Tylenol, que é paracetamol.
Segurança
Na carteirinha de vacinação terá informações sobre o lote. Se houver reação grave a gente já vai saber, tem a validade para rastrear a pessoa que tomou. É muito rigoroso o monitoramento dessas reações adversas. Tem muitos profissionais, farmacêuticos, epidemiologistas que estudam essa área de farmacovigilância. Numa pandemia que só no Brasil já fez mais de 220 mil mortes, o risco de não ser vacinado é muito maior do que o risco dos efeitos adversos. Só tomamos um paracetamol se o risco dele for maior do que os benefícios. Por que a gente toma paracetamol? Porque ele vai passar minha dor de cabeça e o risco de reação adversa é baixo, o benefício é maior do que o risco. Mas se alguém for alérgico ao paracetamol não pode tomar, ou seja, o risco é maior do que o benefício. Hoje, temos benefício muito maior na vacinação que se não se vacinar, lembrando que a vacina é um ato coletivo porque têm populações que não vão poder tomar (imunocomprometidos, grávidas). Se todos se vacinarem, conforme o calendário, estaremos nos protegendo e protegendo o outro.
Eficácia
Não existe vacina 100% eficaz. Isso nunca existiu. A vacina da gripe é 60% ou 70% de eficácia. Mas qual é a diferença: a vacina pode te imunizar e não pegar, mas se pegar é a forma mais leve da doença, que não precisa de internação, não precisa de UTI e não leva à morte. A vacina é boa para não pegar, mas é também importante para impedir que você pegue casos mais graves. Mesmo vacinado você pode ter forma leve da doença. A efetividade da vacinação é de 51% até 90%. Mas depende da população, da vacina. Mas a gente tem essa variação. O mais importante é que se pegar não tem a forma mais grave da doença, não pressiona o sistema de saúde, não vai faltar leitos, respiradores, oxigênio e UTI. O que não se sabe ainda é quanto da transmissão após a imunização. Por isso a importância do uso de máscaras e manter o isolamento social.
Preconceito
As fake news que mais atrapalharam a vacinação são as da CoronaVac. A China já era alvo de preconceito desde o início da pandemia. A questão era como a vacina vem justamente do país em que a pandemia começou. Isso é uma grande besteira. Muitos laboratórios, com biotecnologia muito avançada, são chineses e tomamos esses medicamentos sem saber que são provenientes da China. Essa questão é de origem política, não de ciência. Nem sei se considero fake news, mas são relatos preconceituosos com a China. Relatos de negação da ciência e a gente está negando. Se a gente não acredita na China, deveríamos acreditar no Instituto Butantan, que tem mais de 120 anos de produção de vacina, pioneiro em várias pesquisas de pontas. Temos de nos orgulhar do Instituto Butantan que fez esse estudo.
Serra Negra
Espero que até o final do ano a cidade esteja imunizada, assim como todo o país. Que a gente chegue à vacinação em massa para que tenhamos um pouco mais de normalidade. Sou serrana, não estou aí há muito tempo, tenho familiares que estão aí, espero poder visitar a cidade novamente em breve. Estou cumprindo, sim, o isolamento, principalmente minha família que tem bastante idosos e grupo de risco. Espero que a cidade cumpra o plano de vacinação. Temos de sair dessa e não tem outra saída senão a vacinação, seja ela qual for, para a economia da cidade voltar a ter uma certa normalidade, não vejo a retirada da máscara tão rapidamente. Precisamos manter o controle sanitário, máscara, isolamento social, evitar aglomerações, mesmo com a vacinação acontecendo. Vai demorar um pouco para ter a vacinação em massa e não é só tomar a vacina. É preciso produzir anticorpos também. Sei que estamos cansados, perdemos a paciência. Já faz um ano que estamos nessa posição, mas é necessário.
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