//COMUNICAÇÃO// Tudo é rastreável nas redes sociais, diz delegado

Rodrigo Cantadori: "A fake news está aí em distorcer ou criar fato.
A opinião sobre o fato é outra coisa." 


Salete Silva

A internet é mais do que democrática, é libertária, é um espaço em que o cidadão se sente livre para exercer seus direitos. Isso, no entanto, é uma novidade com a qual a sociedade precisa aprender a lidar.

A opinião é do delegado de Polícia de Serra Negra, Rodrigo Cantadori, há mais de uma década no cargo. O delegado concedeu entrevista ao Viva! Serra Negra sobre fake news e ataques nas redes sociais.

Cantadori enfatiza o direito de o cidadão expressar suas opiniões em especial em relação aos administradores públicos, mas lembra que há punições nas redes sociais também para os casos de difamação, injúria e calúnia.

Além disso, os avanços tecnológicos permitem amplo rastreamento nas redes sociais. “Às vezes a pessoa se acha intocável por alguma razão, mas é rastreável. Desde formas mais simples até as mais complexas, mas se rastreia. Hoje, existe dentro da polícia civil uma delegacia de crimes eletrônicos e temos um laboratório de crime eletrônico em São Paulo para onde são encaminhados os casos mais complexos”, afirma.

A seguir, a íntegra da entrevista:

Viva! Serra Negra - Como deve proceder uma pessoa que se sente prejudicada de alguma forma em relação a ataques nas redes sociais?
Cantadori - O que precisamos entender é que todas as pessoas têm o direito à opinião. A opinião pode ser expressada, desde que seja individual e não voltada à agressividade. Posso discordar de ideias, posso falar sobre temas, uma série de coisas, ainda que minha visão para o senso normal seja distorcida. Mas uma vez não ofendendo a moral de ninguém, não criando nenhuma situação de constrangimento não tem problema nenhum. Essa é uma questão e é o que acontece em todas as plataformas da internet, nas redes sociais. Temos de ter isso em mente. A outra coisa são os ataques efetivos e pessoais e desmoralizando. Posso discordar de uma ideia e dar minha opinião discordando da ideia. Posso discordar da ideia e ao discordar atacar a pessoa. Isso pode gerar crime, inclusive indenização.



Viva! Serra Negra - E em relação às fake news?
Cantadori – Isso é criação de uma notícia falsa, como diz o próprio nome em inglês. É quando a pessoa, por algum interesse pessoal ou de um grupo ou de uma associação ou de um partido, o que quer que seja, cria uma notícia, que não tem base de verdade nenhuma. Às vezes tem indicação de fato, mas noticiado de forma falsa. O fato aconteceu, mas não daquele jeito. O objetivo é denegrir a imagem de alguém ou a posição de alguém. 

Viva! Serra Negra - Como proceder judicialmente nesses casos?
Cantadori - Uma vez atingindo a moral de alguém, as fake news recebem o mesmo tratamento de uma agressão direcionada pelos meios de tecnologia, pelas plataformas de redes. Pode ser injúria, difamação ou calúnia. Para isso existe um processo criminal que pode ser desenrolado. Pode junto ser tomada medida de indenização por danos morais.

Viva! Serra Negra - E isso é comum?
Cantadori - Sim, são bastante comuns as ações de danos morais. As pessoas movem ações de indenizações contra outras que usaram plataformas digitais para denegrir a imagem de alguém. As consequências existem. Precisamos defender a forma como a pessoa expõe um fato, às vezes não é fake news. É uma forma de ela enxergar um fato e não efetivamente uma criação de um fato.

Viva! Serra Negra - Muitas vezes a opinião, no entanto, é formada com base em fake news, não?
Cantadori - Sim, na maior parte das vezes, o usuário de mídia não toma cuidado de checar. Há muitos mecanismos para checar a fonte. Há mecanismos de desconstituição de fake news, que são sérios, feitos por mídias sérias que se especializam em investigar se o fato é verídico ou não. Como seres humanos, temos tendência a aderir a determinada notícia independentemente de ser falsa ou verdadeira pela simples conveniência da nossa condição. Ou gosto mais de um lado político, ou gosto mais de um gênero. A GloboNews tem um programa chamado “Fatos e Versões” que trata desse tema. Um fato pode ter várias versões sem que aquelas versões sejam falsas. Por uma contextualização diferente. Isso não é fake news. Fake news é a criação de uma notícia falsa. A pessoa tem noção de que aquilo é falso.

Viva! Serra Negra - Aqui em Serra Negra tem tido muitos casos assim, as pessoas procuram a delegacia?
Cantadori - Não. Para gerar uma fake news, a pessoa tem de ir para um meio de comunicação, seja nas plataformas de tecnologia ou nas vias normais de comunicação que conhecemos.



Viva! Serra Negra – E ataques nas redes sociais, há muitos registros em Serra Negra?
Cantadori – Há blogs que são alvos de reclamação. Aqui às vezes procuram mais por causa do ataque pessoal, quando é bem direcionado. A reforma de um determinado lugar, pensando de uma forma teórica, pode provocar em alguém a ideia de que aquela reforma não poderia custar o que custou. Ela vai até um blog, uma plataforma e coloca a opinião dela sobre aquele assunto. Coloca a notícia, que a reforma foi feita e que custou tanto e acrescenta, por exemplo, sua opinião de que foi um absurdo. Jamais poderia ter custado isso e questiona se não há algo errado. Isso é fake news? Outro exemplo teórico, se a pessoa publicar nas redes que a prefeitura fez uma reforma e colocou torneira de ouro, mas a prefeitura não fez isso, é fake news. A reforma houve, mas está colocando elementos nesse fato que não são verdadeiros. A fake news está aí em distorcer ou criar fato. A opinião sobre o fato é outra coisa. As pessoas públicas precisam lidar com essas críticas. Todas as coisas públicas são suscetíveis a isso. Ela passa por esse processo. Não pode haver melindres e achar que ninguém pode falar mal do que um administrador ou um político está fazendo. Está mexendo com dinheiro público, com questões públicas, desde que voltado para o cidadão, você está suscetível às críticas. É importante na medida que te norteia. Muitas vezes a pessoa que está numa administração ou executando um serviço público, ela perde as referências.

Viva! Serra Negra – As publicações nas redes sociais, as críticas e os ataques são diferentes, porém, de uma reportagem que ouve os dois lados e deixa o leitor opinar. As redes não correm o risco de não dar a oportunidade de defesa a quem está sendo acusado?
Cantadori - Tem esse problema também, que é a manipulação. Não há seriedade nenhuma em quem age dessa forma, atacando sem ouvir o outro lado, ou que provoca a situação para que a pessoa venha se manifestar e provoque mais tumulto em cima. Existe muito disso.

Viva! Serra Negra - Qual é o poder das mídias digitais hoje?
Cantadori - A mídia, digital, maior ou menor, tem o poder quase que parelho com as grandes mídias. Se você pega um blog local onde há credibilidade, vai ter influência na população às vezes maior do que a de um jornal regional ou coisa assim. Quando isso é usado para defender ideais partidários, ideias de grupos, desvirtua tudo. Os fatos têm várias versões. Precisamos aprender a lidar com a crítica. Não a crítica destrutiva, mas a construtiva, quando uma pessoa se manifesta sobre algo, não tem todas as informações necessárias para fazer uma crítica adequada, mas está no direito dela de dar sua opinião. Quando o blogueiro ou o cidadão dá a opinião dela sobre o administrador público, ele tem de entender que assim como quem fez a crítica outras pessoas também podem estar entendendo dessa forma e precisa fazer autocrítica e se perguntar por quê. É uma forma sua de corrigir e tratar com o público o que você está fazendo. Um administrador público, do condomínio, do clube, essa pessoa fica na linha de frente, fica na mira. Tem uns que gostam, outros que não gostam.



Viva! Serra Negra - Não se corre o risco de um linchamento público, como alguns casos que conhecemos?
Cantadori - Aí é que está. O mundo entrou numa vibe de extremos, polarizou. Não sei se é cíclico. Aos 50 anos, é a primeira vez que vejo uma polarização de ideias tão forte, como a de hoje. Você tem defesa de grupos de minorias hoje que está fugindo à racionalidade. As minorias devem sempre ser defendidas, mas tudo deve ser respeitado. Não é porque você faz parte de uma minoria que você pode atacar os demais. Se isso acontece, as minorias estão fazendo o mesmo que faziam os demais. Aquela situação de defesa surgiu justamente porque havia o ataque. Agora, com esse empoderamento, vai fazer o mesmo? Não entendo a lógica disso.

Viva! Serra Negra - Essas maiorias também, por sua vez, não estão reagindo com extremos porque perceberam que estão perdendo seu status quo enquanto as minorias estão ampliando o delas?
Cantadori - Claro, isso é natural. De um lado alguém querendo criar um status quo e do outro defendendo. O mundo sempre foi assim e as redes sociais potencializaram, porque deu voz a tudo. A internet é extremamente democrática, mais do que isso, é libertária. É um meio onde se estão criando as regras ainda. Mas é onde as pessoas se acham no direito de tudo. Uma coisa é conversar frente a frente, que é um diálogo, a gente vai se olhar, vai se sentir, vou colocar minhas ideias e você as suas e teremos um mínimo de civilidade. Outra coisa é aqui, onde não estamos vendo. É uma sensação libertária. A questão de aprender a lidar com isso é importante. A internet é uma coisa muito nova. Essa questão precisa ser bem pontuada.

Viva! Serra Negra - Qual é o papel da Justiça para tornar mais civilizada essa relação?
Cantadori - O sistema de segurança pública e a Justiça não impõem, mas aplicam a normatização que está disponível. Quem cria a regulamentação é o Legislativo. Um aplica, outro cria e outro executa, que é o Executivo. A Justiça só vai se movimentar a partir do momento em que alguém se sentir afetado por aquilo ou pedir uma providência. A partir daí ela vai se movimentar e verificar quais são as legislações existentes em relação àquilo e quais são as consequências para se aplicar em cada caso.



Viva! Serra Negra – Qual é o trâmite para a pessoa que se achar ofendida?
Cantadori - Vem aqui, conta o fato, num primeiro momento, é feito um registro e depois uma avaliação se aquilo se enquadra em algum crime. Havendo um enquadramento, se aplicam as leis. Não precisa de advogado, inclusive isso pode ser feito via internet na delegacia eletrônica. É só entrar na Polícia Civil e lá está a delegacia eletrônica, que tem esses delitos contra a honra.

Viva! Serra Negra - Os partidos políticos, em ano eleitoral, devem também buscar a justiça. É o mesmo processo?
Cantadori – É o mesmo processo, mas a legislação eleitoral é um pouco diferente. Na parte eleitoral afeta mais o juízo eleitoral. Passa pela delegacia, mas quem faz essa checagem inicial é o juízo eleitoral. Alguém do diretório municipal pode fazer uma representação direta ao juízo eleitoral, que, junto com o promotor eleitoral, vai fazer uma análise. Se for o caso, encaminham para a nossa delegacia, chama o delegado eleitoral e dentro desse ambiente se apura o que está acontecendo dentro da lei eleitoral, que é bastante específica. Tem coisas, por exemplo, que só se aplicam em período eleitoral, em relações eleitorais e assim sucessivamente.

Viva! Serra Negra - Quais as expectativas do senhor em ano eleitoral? Essas queixas devem ocorrer?
Cantadori -  Isso faz parte do meio, da disputa. Acho que vai ser um pouco mais contida por conta da noção de que as pessoas estão tendo de que não é um território sem lei. As redes sociais exigem responsabilização. Acho que o ambiente eleitoral vai ser mais comedido nesse ponto, tende a ser, como já vem sendo. Na última eleição presidencial, presenciamos uma guerra dentro das mídias sociais. Cada vez que isso acontece, mecanismos são criados. Acho difícil repetir o que aconteceu em 2018 porque se mostrou não saudável e as pessoas perceberam isso. Apesar de ainda existir a polarização, ela não está tão intensa. Percebe-se que diminuiu. Aquele foi um instante em que as eleições do Trump arrastaram essas ideias ideológicas contrárias às ideias sociais e isso emplacou no mundo. Aconteceu na Europa, na América do Sul, nos locais democráticos e agora vem estabilizando.

Viva! Serra Negra - É difícil identificar as pessoas e de onde partem os ataques, as fake news?
Cantadori – Não,  é trabalhoso, mas é absolutamente possível. Tudo o que se faz na internet é rastreável. Tudo. Às vezes a pessoa se acha intocável por alguma razão, mas é rastreável. Desde formas mais simples até as mais complexas, mas se rastreia. Hoje, existe dentro da polícia civil uma delegacia de crimes eletrônicos e temos um laboratório de crime eletrônico em SP para onde são encaminhados os casos mais complexos.


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