//PANDEMIA// Brasileiros desenvolvem tecidos que neutralizam coronavírus


Dois tecidos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros são capazes de neutralizar o novo coronavírus causador do covid-19 em questão de minutos. Um deles foi desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), da Universitat Jaume I, da Espanha, e do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF). O projeto teve ainda a participação de equipe da empresa Nanox, de nanotecnologia.

O tecido, que deve servir principalmente para a fabricação de peças de roupas hospitalares e já está chegando ao mercado, é capaz de eliminar 99,9% do novo coronavírus em cerca de dois minutos. A composição deriva de uma mistura de poliéster com algodão, que se soma, por meio de um processo chamado pad-dry-cure, à camada de micropartículas de prata, fixada. A aplicação de pequenas partículas de prata consiste em uma técnica difundida há algum tempo entre os industriais, estando presente nos ramos têxtil, de cosméticos e de tintas. 

Conforme explicou o pesquisador Lucio Freitas Junior, que trabalha no laboratório de biossegurança de nível 3 (NB3) do ICB, o projeto aproveitou a amostra de novo coronavírus que havia sido isolada e cultivada a partir da carga contraída por um dos primeiros pacientes diagnosticados com a doença, tratado no Hospital Israelita Albert Einstein.

"Tínhamos o vírus isolado e armazenado no nosso laboratório, em grande quantidade. Nosso laboratório fornece vírus ao Brasil todo e ao exterior, para a realização de estudos", comentou. 

Para se certificar da eficácia do material, os pesquisadores cumpriram uma segunda etapa, de análise molecular. Além de testes para avaliação da atividade antiviral, antimicrobiana e fungicida, avaliaram outros aspectos importantes para que o produto pudesse ser liberado para comercialização, como assegurar que não desencadeia alergias ou outras reações adversas no organismo.

Outro tecido foi testado no Laboratório de Tecnologia Virológica (Latev) de Bio-Manguinho, confirmando sua eficácia contra o coronavírus SARS-COV-2.  Financiado pelo Edital de Inovação para a Indústria do Senai, o projeto é uma parceria entre a empresa catarinense Diklatex e o Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (Senai/Cetiqt).

Os resultados foram apresentados em uma transmissão ao vivo. Segundo os pesquisadores, uma das formulações testadas conseguiu inativar 99,9% de partículas virais do novo coronavírus e dos vírus do sarampo e da caxumba. Contra o agente causador da covid-19, a inativação se concretizou em apenas um minuto após o contato do microorganismo com a máscara.

O trabalho para desenvolver o tecido começou em março e envolve uma equipe de médicos, microbiologistas e engenheiros. Os testes foram realizados em Bio-Manguinhos, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), devido ao nível de segurança requerido para as pesquisas. A chefe do Latev, Sheila Maria Barbosa de Lima, destacou que a pesquisa faz parte do esforço da Fiocruz de enfrentar um dos maiores desafios de sua história no ano em que completa 120 anos. "Nosso desenvolvimento tecnológico aqui trabalha na frente de vacinas, kits diagnósticos, fármacos. Essa parte de tecido é totalmente nova pra gente".

A pesquisa primeiro testou a eficácia dos tecidos nos vírus causadores do sarampo e da caxumba, que requerem laboratórios com nível de segurança NB-2. Os dois antígenos foram escolhidos por suas semelhanças moleculares e na forma de transmissão com o SARS-CoV-2. Com as melhores formulações selecionadas, os cientistas partiram para o laboratório com nível de segurança NB-3, exigido para realizar testes com o novo coronavírus.

Os pesquisadores estudaram variações de prata, zinco e compostos orgânicos, buscando produtos leves, que não agredissem a pele ou afetassem a respiração. O engenheiro têxtil Eduardo Habitzreuter, da Diklatex, explicou que a formulação mais eficientes teve ainda outras vantagens em relação às demais: "Uma das principais vantagens é um custo mais baixo, e, por ser biodegradável, a gente fica mais tranquilo com o descarte."

A ideia é usar os tecidos em itens hospitalares que poderão ser lavados e reutilizados, como máscaras e aventais, que requerem especificidades diferentes. No caso das máscaras, por exemplo, a respirabilidade é um componente importante. Já nos aventais, os pesquisadores buscaram resistência a rasgos e a líquidos, por exemplo, além da ação antiviral.

No caso das máscaras, o tecido desenvolvido também possui filtragem bacteriana superior a 80%. Os testes demonstraram ainda que a ação antiviral resiste a 25 lavagens caseiras.

Segundo o engenheiro Raphael Bergamini, do Senai/Cetiqt, os pesquisadores devem trabalhar agora para elevar também o nível de proteção bacteriana e certificar o material junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O coordenador da plataforma de Fibras do Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos e Fibras, Adriano Passos, destacou os benefícios que a parceria pode trazer para a inovação no país. "Isso abre portas para outras metodologias, porque, às vezes, a indústria têxtil sofre para mandar isso para fora do país para fazer análises, porque tem um custo." (Agência Brasil)

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