//OPINIÃO// Lamento, lamento muito


Salete Silva

O incêndio na madrugada de 27 de janeiro de 2013 na boate Kiss, que matou centenas de jovens, provocou comoção nacional. As redes sociais foram invadidas por lamentações pelas vidas perdidas e mensagens de apoio às famílias.

Houve críticas, sim, mas somente aos proprietários da casa noturna e às autoridades responsáveis pela fiscalização do local.

Aliás, houve muito xingamento contra eles. Não houve manifestações de parabéns aos autores do crime, nem muito menos críticas aos jovens que se divertiam naquela fatídica noite de 2013.

Ao contrário, houve muito pesar pela perda das vidas de jovens, boa parte dos quais estudantes da universidade local e filhos de famílias tradicionais.

O mesmo pesar, no entanto, não foi unânime nas redes em relação aos jovens Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos, Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos, Eduardo Silva, 21 anos, Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos, Mateus dos Santos Costa, 23 anos, Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos, e Luara Victoria de Oliveira, 18 anos, alguns dos mortos na madrugada de 1º de dezembro de 2019 no baile funk na favela Paraisópolis, em São Paulo, invadida pela polícia que alegou estar à procura de dois motoqueiros.

O que se constatou foi exatamente o contrário. Aos jovens da periferia, a maioria negros, de família pobre, foram dirigidos comentários como este que extraí das redes sociais de Serra Negra, e que transcrevo a seguir: “Estavam ouvindo Funk bebendo usando drogas e incomodando um monte de trabalhador. Faça na caveira. Borracha nos vagabundos kkk”.

Por que essa falta de empatia pelas periferias? Por que essa falta de solidariedade com jovens como os nossos filhos, que sonham com o futuro e que querem se divertir no presente?




Por que falta empatia com a dor da família de Mateus dos Santos Costa, negro, baiano que se mudou há 15 anos para São Paulo e que trabalhava com o irmão, vendendo produtos de limpeza enquanto os pais e outros dez irmãos ainda moram na Bahia?

Meu coração de mãe se entristece profundamente com a realidade de jovens que não têm as mesmas oportunidades que meu filho. Meu coração de mãe se indigna diante de prejulgamentos e desprezo ao ser humano como esse que transcrevi das redes sociais.

Qual não é a dor dessas mães...

E como cidadã diante da realidade do país só posso considerar sem cabimento a discussão sobre excludente de ilicitude — na verdade, uma licença policial para matar — como se fosse coisa banal,  enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, cria uma PEC que desobriga o Estado de construir escolas em regiões necessitadas e propõe juntar os recursos da educação e da saúde num único orçamento, como medida de contenção de despesas.

Lamento que os comentários mais brandos que ouvi por aqui tenham sido na mesma linha desse que transcrevo a seguir: “Sinto muito pelos jovens que morreram e pelas suas famílias. Infelizmente sempre pessoas inocentes morrem.”

Eu é que sinto. Sinto muito porque no fundo esses comentários só camuflam a aprovação da licença policial para matar.




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